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Manutenção Programada – Reflexões Sobre Engenharia de Sistemas

Escrito por  Sergio Duarte
em 30 de setembro de 2019

Manutenção Programada – Reflexões Sobre Engenharia de Sistemas

A manutenção programada (“Scheduled Maintenance”), que inclui todas as ações de manutenção preventiva e preditiva para manter a aeronave e seus sistemas em condições operacionais, ao longo da vida operacional. Apreciem.

O Subsistema Técnico-Logístico, de um sistema aeronáutico, que se desenvolve em concomitância com o Subsistema Operacional, compõe-se, dos seguintes elementos: manutenção, treinamento, equipamentos de apoio no solo e peças de reposição. Todos os elementos giram em torno do elemento manutenção. A manutenção é o foco de todos eles.

De passagem, lembramos que o desenvolvimento de um inteiro sistema aeronáutico agrega também os indispensáveis requisitos da Autoridade de Aeronavegabilidade (ANAC, FAA, EASA, etc.), voltados inteiramente para a segurança (safety), tanto para o Subsistema Operacional quanto para o Subsistema Técnico-Logístico; em particular, a manutenção.

A Manutenção decorre da característica de projeto denominada Mantenabilidade (Maintainability). Pode ser conceituada como sendo uma característica de projeto e de instalação, que é expressa como a probabilidade de um item ser mantido numa condição específica ou restaurado a essa condição, dentro de um determinado período de tempo, quando a manutenção é executada de acordo com os procedimentos e recursos (elementos) desenvolvidos para essa atividade. Neste contexto, item é qualquer parte material da aeronave. Num contexto geral, até pessoas podem ser itens.

Tipos de Manutenção

Definem-se dois tipos de manutenção: manutenção corretiva e manutenção preventiva.

manutenção programada

Manutenção corretiva

Inclui todas as ações de manutenção, realizadas em uma aeronave ou seus sistemas, em virtude de um mau funcionamento ou falha dos mesmos, com o objetivo de restaurá-los à condição operacional prevista. O ciclo da manutenção corretiva inclui:

  • localização da falha ou mau funcionamento;
  • desmontagem;
  • remoção;
  • substituição de itens e reparo;
  • montagem;
  • teste da operacionalidade do item reparado.

O processo em si da manutenção corretiva é simples: se surgir, por exemplo, uma falha estrutural, a aeronave ficará indisponível para que seja realizada a manutenção corretiva, na aeronave (On Aircraft ou On A/C).

Se for um mau funcionamento ou falha de um equipamento de um sistema da aeronave, esse equipamento é retirado e enviado a uma oficina para o devido reparo, ou seja, fora da aeronave (Off Aircraft ou Off A/C). Neste caso, a aeronave só ficaria indisponível se não houvesse um equipamento de mesmo PN (Part Number), no estoque, para a substituição.

Manutenção Preventiva

Inclui todas as ações de manutenção previstas num plano de manutenção programada, objetivando manter aeronave/sistemas nas condições operacionais previstas. A manutenção preventiva se desenvolve por meio de inspeções, monitoramento da condição operacional da aeronave/sistemas, substituição de itens críticos e calibração. Podem também ser incluídos na categoria de manutenção preventiva os pequenos serviços de pista, como, por exemplo, lubrificação, abastecimento, verificação de níveis de óleo, etc.

  • A manutenção preventiva tem dois objetivos: minimizar a manutenção corretiva, que significa custos e indisponibilidade da aeronave, o que gera problemas na receita de empresas aéreas, ou atrasos que trazem aborrecimentos aos usuários;
  • evitar mau funcionamento ou falha de itens críticos, isto é, com condições de falha catastrófica ou perigosa (hazardous), entre uma inspeção e outra.

Existe um caso especial de manutenção preventiva, denominado Manutenção Preditiva, consistindo em monitorar com equipamentos dedicados à verificação da condição da aeronave/sistema, utilizando métodos de verificação do estado de degradação da estrutura/sistemas, de maneira tão exata quanto possível. E decidindo então, segundo critérios bem elaborados, pela continuidade ou não da operação da aeronave/sistemas, a despeito de algum desgaste observado, estabelecendo o prazo para uma nova inspeção.

Para realizar a manutenção preditiva, é necessário saber como o item falha (física da falha) e utilizar métodos de teste que incluem equipamentos especiais, como por exemplo boroscópios (caso do motor), raios X (caso de trincas), etc.

Níveis de Manutenção

A manutenção corretiva e preventiva podem ser realizadas na própria aeronave (On A/C) ou fora da aeronave (Off A/C), caso dos sistemas da aeronave, em oficinas de manutenção. Consideram-se três níveis de manutenção:

  • manutenção de primeiro nível On A/C, também chamada de Manutenção Organizacional, realizada no site onde a aeronave opera;
  • manutenção de segundo nível On A/C ou Off A/C, também denominada Manutenção Intermediária, realizada em oficinas próximas ao site do operador; e
  • manutenção de terceiro nível (Depot LevelOn A/C ou Off A/C, em oficina remota do próprio operador, ou no fabricante, ou ainda em oficina particular autorizada;

manutenção programada

Em seu processo de aplicação, a manutenção pode ser programada (scheduled) e não programada (unscheduled).

A programada abriga a manutenção preventiva, realizada segundo um programa bem estabelecido e de acordo com critérios bem definidos. A não programada é aquela que ocorre quando a aeronave tem, por exemplo, um problema estrutural, ou um sistema que apresenta um mau funcionamento ou falha, isto é, entra no estado de pane.

Planejamento de Manutenção Programada

O Documento de Planejamento de Manutenção programada (Maintenance Planning Document – MPD), aplicado em toda a fase operacional, define várias paradas da aeronave, com intervalos de tempo criteriosamente definidos para a realização de manutenção preventiva. São os chamados checks A, B, C, D, que podem envolver inspeções das mais simples (A) para as mais complexas (D). Durante esses checks, podem ocorrer reparos na estrutura da aeronave ou remoções preventivas de itens para serem submetidos à manutenção Off A/C, evitando que os mesmos venham a ter problemas no intervalo entre o check em curso e o próximo check.

Notem que a manutenção programada e não programada podem ser On ou Off A/C. A manutenção não programada, seja ela On A/C ou Off A/C, é sempre corretiva, isto é, ela só ocorre quando surge um problema com a aeronave ou com equipamentos de um outro de seus sistemas. É o caso dos itens eletrônicos e alguns itens de outros segmentos não considerados críticos.

Devemos deixar claro, e isto deve ser evidenciado, que o MPD não se aplica a itens eletrônicos, uma vez que os mesmos operam ou não operam, não sendo possível verificar se há desgaste ou não desses equipamentos.

O MPD volta-se aos outros segmentos, como por exemplo o segmento mecânico (controles de voo, potência hidráulica, trem de pouso), segmento propulsivo, estrutural, etc., isto é, aqueles segmentos que não são objeto da atividade de Safety Assessment, em sua magnitude, conforme prevista nos CFR 14 Part 23.1309 ou Part 25.1309, com metodologia de análise contida nas AC 23.1309-1E e 25.1309-1A.

Manutenção e Confiabilidade

Os intervalos de tempo entre tarefas de manutenção preventiva do MPD são baseados na Confiabilidade (Reliability – R) dos itens, daí sua denominação genérica: Manutenção Centrada na Confiabilidade (Reliability Centered Maintenance – RCM).

A RCM focaliza os chamados itens críticos desses segmentos, entendendo-se como tal aqueles itens cuja perda ou mau funcionamento podem gerar condições de falha de severidade catastrófica ou perigosas (hazardous). A manutenção preventiva foca principalmente a segurança (safety), preocupando- se também com a disponibilidade operacional da aeronave.

A técnica mais apurada da RCM foi desenvolvida nos anos 1960, a partir de esforços de empresas aéreas comerciais. Um grupo, o chamado Maintenance Steering Group (MSG), estabeleceu o documento B747 – Maintenance Steering Group Handbook, que ficou conhecido pela sigla MSG-1, publicado  em 1968, sendo depois atualizado para a versão MSG-2, em 1970, e finalmente para MSG-3, em 1980, que continua sendo, até hoje, o documento que norteia essa técnica. Todas essas versões foram consideradas aceitáveis pela Autoridade de Aeronavegabilidade que abriga a respectiva certificação de tipo.

O MSG-3

O MSG-3 é utilizado para desenvolver os requisitos iniciais de manutenção programada  para as modernas aeronaves comerciais, publicados no Maintenance Review Board Report – MRBR, em dois volumes (um para aeronaves de asa fixa e outro para aeronaves de asa rotativa).

O que interessa no processo do MSG-3 é verificar se o item tem uma condição de falha catastrófica ou perigosa (hazardous), independentemente de sua probabilidade de falha, que é utilizada, no MPD, na frequência de repetição da tarefa de manutenção preventiva pertinente.

O MSG-3 introduziu uma abordagem Top-Down para chegar à origem de uma falha crítica no nível aeronave (algo como obtido por uma FTA – Fault Tree Analysis), no processo de Safety Assessment, concentrando-se então nas condições de falhas (conseqüências das falhas) de severidade catastrófica ou perigosa (hazardous).

A metodologia é desenvolvida por um grupo de especialistas em manutenção, sendo o processo acompanhado pelo Maintenance Review Board (MRB). Ao final, aprova o Documento de Planejamento de Manutenção inicial (Maintenance Planning Document – MPD).

Na fase operacional, é praticado um processo de acompanhamento do MPD, que vai propondo correções. Trata-se de um processo de melhoria contínua, tanto de tarefas quanto de intervalos entre as mesmas. Correções vão surgindo à medida que o pessoal de manutenção vai ganhando experiência no campo. Cabe ao MRB conduzir o processo de análise e aprovação das sugestões de correção.

Considerações Finais

Acrescenta-se que, como etapa adicional, o MPD é adaptado para atender aos requisitos de cada operador daquela aeronave. Uma vez aprovado pela autoridade reguladora (FAAEASAANAC), torna-se um Programa de Manutenção Aprovado – PMA (Approved Maintenance Schedule – MAS), mas apenas para esse operador, ou seja, cada operador tem o seu MPD.

Bem, vamos parando por aqui. Como sempre, procuramos dar uma pincelada sobre o assunto. Sugere-se que seja consultado o programa desenvolvido pelo MSG-3, para familiarizar-se com o desenvolvimento, passo a passo, da metodologia.

Bons estudos!

 

Referências:

1. Blanchard, B. S.; Verma, Dinesh; Peterson, Elmer L. Maintainability: A Key to Effective Serviceability and Maintenance Management. John Wiley & Sons, Inc., EUA. 1995.
2. Airlines For America (A4A) MSG-3: Operator/Manufacturer Scheduled Maintenance Development, Volume 1 – Fixed Wing Aircraft; Volume 2 – Rotorcraft, Rev. 2015.1, EUA.

Até breve!

 

Berquó, Jolan Eduardo – Eng. Eletrônico (ITA)·.
Certificador de Produto Aeroespacial (DCTA/IFI)
Representante Governamental da Garantia da Qualidade – RGQ (DCTA/IFI)

Duarte, Sergio Lucio – Eng. Aeronáutico(UFMG)

Fundador do Portal da Engenharia Aeronáutica

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