Hoje vamos falar um pouco sobre perfil aerodinâmico. Para muitos engenheiros e entusiastas da aviação quando se fala de otimização aerodinâmica a primeira imagem que vem a mente é daquela aeronave extremamente esbelta com linhas de projeto muito suaves e, consequentemente, o menor arrasto possível.
No entanto, apesar deste ser o sonho de todo aerodinamicista o projeto não pode ser realizado priorizando apenas uma das tecnologias em detrimento das demais. Geralmente, a adoção de uma abordagem desbalanceada no projeto leva a problemas durante o desenvolvimento do produto.
Portanto, sem exageros, pode-se dizer que a otimização aerodinâmica de uma aeronave consiste em uma árdua procura por um ‘design’ que satisfaça os vários requisitos multidisciplinares do produto. Busca-se assim uma solução de compromisso entre as várias necessidades das disciplinas que fazem parte do processo de projeto. No entanto, jamais perdendo o foco na obtenção do desempenho aerodinâmico demandado para a aeronave.
Se o comentário acima ficou abstrato não se preocupe, pois iremos construir um entendimento deste tema passo a passo, começando por conceitos simples e aos poucos trarei os aspectos multidisciplinares. Desta forma, após juntarmos todos os “tijolinhos” (building blocks) teremos um entendimento mais amplo ou geral sobre este tema. Bem, então vamos começar a montar este quebra-cabeça.
O perfil é o componente aerodinâmico que provê a forma geométrica da asa e gera a sustentação necessária para que a aeronave possa deixar o solo e assim realizar o voo. Esta força de sustentação surge devido ao movimento do ar sobre a asa (escoamento aerodinâmico). Outra força que surge devido ao movimento de ar sobre a asa é o arrasto aerodinâmico, esta força se opõe ao movimento da aeronave, sendo que, quanto maior a força de arrasto maior será a tração demandada do motor e, consequentemente, maior o consumo de combustível e as emissões de gases como o CO2 e o NOx.
Conjunto de perfis que dão a forma externa da asa.
As forças de sustentação e de arrasto nada mais são do que a resultante da soma vetorial das forças de pressão e de cisalhamento que atuam em cada ponto do perfil. A Figura 2 mostra para um determinado ponto do perfil a representação destas duas forças distribuídas, sendo que, a força de pressão é representada pela letra p e a de cisalhamento pela letra τ. Estas forças distribuídas também geram um momento no bordo de ataque da asa, dado por m.
Componentes de forças em um ponto do perfil aerodinâmico.
Legal, acho que entendi esse negócio aqui! As forças de sustentação e arrasto são equivalentes ao efeito aerodinâmico gerado pela integração das forças distribuídas. Estas duas resultantes podem ser representadas no centro de pressão. A figura a esquerda mostra para um perfil aerodinâmico genérico a resultante de força, R, considerando uma determinada velocidade e ângulo de ataque (aplicada no centro de pressão). Se esta força R for decomposta em um eixo de referência perpendicular ao vento, também conhecido como eixo do vento, as componentes obtidas serão a sustentação (L) e o arrasto (D). Porém, se a decomposição destas forças for realizada em um sistema de referência fixo no corpo, teremos uma força normal (N) e outra tangencial ao corpo (A). Notem que estas forças podem ser transferidas para outro ponto do corpo e, neste processo, temos o surgimento de um momento resultante, figura a direita.
As forças de sustentação e de arrasto ao serem divididas pela pressão dinâmica (qinf = 1/2 ρ.V2) e área de referência (Sref) ou corda de referência (Cref) dão origem aos coeficientes de sustentação, Cl(2D) ou CL(3D) , e ao coeficiente de arrasto, Cd(2D) ou CD(3D). Onde ρ é a densidade, V a velocidade, Sref costuma ser a área de referência da asa para o caso tridimensional e Cref é a corda do perfil no caso bidimensional. De maneira análoga, podemos definir o coeficiente de momento, mas este é definido como Cm = Momento / (qinf x Sref x L). Para uma análise bidimensional temos que Sref = Cref e L = Cref, já para o caso tridimensional Sref é a própria área de referência da asa e L é a corda.
Acabamos de definir os coeficientes aerodinâmicos para casos bidimensionais e tridimensionais. Durante o processo de otimização pode-se minimizar o coeficiente de arrasto, maximizar o coeficiente de sustentação ou a razão sustentação/arrasto. Na verdade existem outras possibilidades e a escolha da função objetiva depende do que se pretende obter com o processo de otimização. Assim, o conhecimento destes coeficientes aerodinâmicos é importante para que você tenha uma noção física e não apenas matemática ao executar a otimização.
Agora vamos abordar superficialmente o esforço no desenvolvimento de alguns dos perfis aerodinâmicos que podem ser ainda hoje encontrados na literatura. Notem que estes desenvolvimentos ocorreram nas primeiras décadas de 1900 e tinham como objetivo a obtenção de aeronaves mais eficientes e mais manobráveis. A figura 5 mostra algumas das aeronaves que datam do começo da aviação.
O foco aqui será em apresentar rapidamente o desenvolvimento realizado pela NACA, no entanto, outros centros ou institutos também contribuíram para este desenvolvimento. No ano de 1915 o governo federal Americano fundou a uma agência plenamente voltada para institucionalizar e promover a pesquisa aeronáutica. Esta agência se intitulava NACA (National Advisory Committee for Aeronautics) e talvez seja tão conhecida, mas esta agência deu origem a famosa NASA no ano de 1958.
Figura 5. Desenvolvimento da aviação.
Entre as diversas atividades atribuídas a esta agência estava à realização de uma vasta pesquisa para o levantamento das características aerodinâmicas dos perfis. Para tanto, os pesquisadores avaliavam os efeitos aerodinâmicos em função da linha de espessura relativa e de arqueamento do perfil. A partir desta abordagem foram geradas famílias de perfis como os NACA de quatro e cinco dígitos e os NACA da série 6 e 7.
A imagem abaixo mostra a metodologia adotada para combinar a linha de arqueamento e espessura relativa que gera a geometria do perfil.
Para cada uma das famílias de perfis criados pela agência NACA os números que vem após o nome NACA descrevem algumas das características geométricas. Por exemplo, vamos pegar o NACA0012 que talvez seja o perfil de 4 dígitos mais famoso da aeronáutica, temos que: o primeiro dígito significa o arqueamento em porcentagem da corda, o segundo dígito é a porcentagem da corda onde ocorre este arqueamento máximo, e o terceiro e quarto dígitos representam a espessura relativa do mesmo. Desta forma, o NACA0012 é um perfil de arqueamento zero o que significa ser um perfil simétrico e com espessura relativa de 12%. Analogamente, o NACA0006 também é um perfil simétrico e com espessura relativa de 6%.
Para maiores detalhes o leitor interessado pode buscar mais informações no livro do Ira H. Abbott – “Theory of Wing Sections”. Há uma seção que este assunto será tratado na aerodinâmica teórica. Acho que pode indicar esta seção também. Neste livro será possível obter informações sobre as equações que descrevem cada uma destas famílias de perfis, o significado dos números que definem as famílias e os resultados para as geometrias que foram estudadas. A figura abaixo mostra alguns dos perfis desenvolvidos pela NACA.
Reparem que este desenvolvimento ocorreu antes do surgimento das aeronaves a jato, ou “era jato”, e desta forma, alguns destes perfis podem não ter um bom desempenho aerodinâmico no regime transônico. A Figura 6 mostra a evolução da velocidade das aeronaves ao longo das décadas. O desenvolvimento de grande parte dos perfis da NACA é das décadas de 20 e 30.
Antes de prosseguirmos é importante mencionar que os principais regimes de velocidade são:
Esta é uma definição encontrada na literatura, mas na indústria o regime subsônico é tratado como aquele em que efeitos de compressibilidade do escoamento não estão presentes. Assim, usualmente, consideramos o regime subsônico as condições para as quais o número de Mach é menor do que 0.3. Já o regime transônico geralmente é separado em baixo transônico (0.3 < no. Mach < 0.8) e alto transônico (0.8 < no. Mach < 1.0).
A afirmação sobre o desempenho dos perfis NACA no regime transônico não está conceitualmente errada, mas pode ser vista como uma afirmação subjetiva. O que eu quero dizer com isso? Imagine uma situação na qual tenho um perfil projetado para o regime transônico e outro que não foi projetado para este regime de velocidade, mas tem uma espessura relativa muito pequena. Neste caso poderá ter um desempenho semelhante à do perfil transônico (considerando uma determinada condição de voo fixa para os dois perfis). Para esclarecer a afirmação feita acima vamos fazer uma comparação entre o perfil RAE2822 e o NACA0012. Ambos possuem espessura relativa muito próxima, 12.11% e 12.00%, respectivamente.
RAE2822
NACA0012
Para a condição de voo: Mach 0.78, número de Reynolds de 3 milhões e Cl de 0.2, pode-se notar que o perfil RAE2822 apresenta um menor valor de arrasto do que o NACA0012. Para o RAE2822 o valor de Cd é de 0.0088 (88 drag counts), enquanto que para o NACA0012 o Cd é de 0.0127 (127 drag counts). As duas imagens abaixo mostram a distribuição do coeficiente de pressão, Cp e os valores dos coeficientes aerodinâmicos obtidos para os dois perfis. Lembrando que:
Usualmente, a diminuição da espessura relativa de um perfil leva a redução no arrasto (supondo que não temos uma condição de alto ângulo de ataque). O resultado abaixo mostra a simulação para o NACA0012 quando diminuímos a espessura relativa para 10%. Neste caso o Cd obtido é 0.0083 (83 drag counts), que é menor do que o RAE2822. No entanto, esse desempenho foi obtido ao um custo de uma espessura relativa muito menor.
Conforme você poderá notar mais à frente, na área de projeto e otimização não tem errado ou certo, existem escolhas que são adotadas em função de uma série de premissas e restrições.
Quiz: Se você fosse usar um perfil NACA na asa de uma aeronave que voa no regime transônico, você pegaria um NACA0012 ou um NACA0010? Se o combustível for armazenado na asa, qual aeronave carregaria mais combustível? Qual a melhor situação: menos arrasto e menos combustível, mais arrasto e mais combustível ou uma solução intermediária?
Para aqueles que desejarem acessar um banco de dados com os mais diversos tipos de perfis aerodinâmicos o link a seguir é uma excelente referência: https://m-selig.ae.illinois.edu/ads/coord_database.html
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