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A condição de Kutta é uma formulação matemática aplicada no escoamento do bordo de fuga para viabilizar a solução de escoamento potencial em torno de aerofólios. Do contrário, essa abordagem levaria a infinitas soluções. Esta fórmula faz com que a resposta deste problema tenha similaridade com o que é observado na prática. Há divergências na literatura se a condição de Kutta deve ou não ser interpretada de maneira física. A minha visão é que ela pode ser entendida assim para escoamentos estacionários. Este post tratará da física básica que acontece no bordo de fuga dos perfis.
A condição de Kutta se aplica ao escoamento em aerofólios que possuem o bordo de fuga fino. Vamos partir da observação do escoamento real em torno de perfis. A figura abaixo mostra de maneira esquemática as linhas de corrente. No bordo de ataque uma linha de corrente flui até um ponto de estagnação, onde “atinge” o perfil. Neste ponto a velocidade é zero. O escoamento então se divide em duas partes: a que passa por cima do ponto de estagnação do bordo de ataque e a que passa por baixo. O escoamento contorna o perfil e deixa o bordo de fuga de maneira suave, como visto na figura. Esta situação é modelada pela condição de Kutta.
O matemático alemão Martin Wilhelm Kutta foi o primeiro a utilizar a observação do escoamento na natureza de maneira teórica. Dessa forma, a condição ganhou o seu nome – nada mais justo. Ela foi essencial para que a formulação do escoamento potencial chegasse a resultados práticos, que se aproximam do escoamento real.
Vamos avaliar o que pode acontecer com o escoamento no bordo de fuga do perfil. Na figura à esquerda, o escoamento contorna o bordo de fuga. Na figura à direita, o escoamento deixa o bordo de fuga suavemente. É possível pensar em infinitos esquemas de linhas de corrente em torno do perfil, mas somente em um o escoamento acontece de maneira suave.
O que aconteceria no caso da figura à esquerda, onde a condição de Kutta não é atendida? Veja abaixo um “zoom” do bordo de fuga. O escoamento dá a volta em uma superfície de raio de curvatura zero, o que faria com que a velocidade do escoamento tendesse a infinito. Isso já tornaria esta condição impossível, pois não existe velocidade infinita.
No entanto, nada na aerodinâmica é fácil. Não podemos nos basear em um raio de curvatura zero, pois raio de curvatura zero também não existe. Uma perspectiva mais realista: trata-se de um raio pequeno e, sim – o escoamento acelera bastante para dar a volta nele. A velocidade não é infinita, mas um valor alto e finito baseado em um raio finito.
Se isso é possível, por que não acontece na realidade em escoamentos estacionários? O motivo é a viscosidade do escoamento e a condição de não escorregamento na interface com a superfície do corpo. Estas condições são as responsáveis pela existência da camada limite, que impede que altas velocidades no bordo de fuga sejam sustentáveis. É importante frisar a palavra “estacionário”, pois no caso de escoamentos não estacionários o ar pode contornar o bordo de fuga por algum período limitado de tempo.
Vamos explicar o que acontece no momento em que o fluído começa a se movimentar em torno do aerofólio. Trataremos de condições não estacionárias, quando o movimento do fluido é iniciado, que acontecem até que o regime estacionário seja atingido. Por motivos didáticos, vamos considerar um perfil que tenha o bordo de fuga tão fino que torna irrelevante o que está acontecendo atrás da pequena espessura finita do bordo de fuga. Em seguida vamos mostrar o que acontece quando há espessura no bordo de fuga – e neste caso o escoamento é significativamente mais complicado.
Na figura abaixo, o “zoom” do escoamento do bordo de fuga mostra o momento em que o fluído começa a se movimentar. O fluído “tenta” dar a volta em torno do bordo de fuga, sem a condição de Kutta. A situação, no entanto, não é sustentável. Assim que o fluído passa pela ponta do bordo de fuga, ele acelera e atinge altas velocidades. Em seguida, onde a curvatura é bem menor ou quase nula, ele desacelera. A alta velocidade, que está associada a uma região de baixa pressão, é seguida de uma velocidade menor, maior pressão.
A diferença de pressão induz o escoamento na direção contrária. Na figura abaixo está representada a camada limite no perfil. A velocidade é nula na superfície do corpo e aumenta até valores do escoamento fora da camada limite. Logo após o fluído contornar o bordo de fuga, o gradiente de pressão adverso faz com que o escoamento perca velocidade. Na verdade, o gradiente é tão severo que o escoamento começa a fluir na direção oposta. Esta condição caracteriza o descolamento da camada limite.
O descolamento da camada limite, associado ao escoamento do extradorso, forma um vórtice no bordo de fuga – o vórtice de partida. Veja que, até esse momento, a condição de Kutta não foi atendida.
O escoamento desloca o vórtice para longe do aerofólio, como mostra abaixo a figura número 2, e vai se distanciando cada vez mais, como visto na figura número 3. Assim, a condição de Kutta passa a ser atendida. Este é o escoamento estacionário observado quando a aeronave está voando normalmente.
O escoamento é mais complicado no caso do bordo de fuga com espessura. Quando o fluido contorna as quinas do bordo de fuga, o aumento de velocidade é seguido pela redução de velocidade na face do bordo de fuga. Como no exemplo anterior, esta condição provoca um gradiente de pressão adverso, que reduz a velocidade na camada limite. O efeito vem tanto do extradorso quanto do intradorso, formando vórtices com sentidos opostos. Essa região, em que a velocidade média é quase zero, é conhecida como zona de água morta. O fluido que passa em torno dela, a princípio, dá a volta no bordo de fuga – como mostra o terceiro “zoom” da figura abaixo. A partir daí a explicação é a mesma: é formado um vórtice no extradorso próximo a região do bordo de fuga e o escoamento segue as etapas já mostradas até atingir a condição de Kutta.
A região descolada no bordo de fuga permanece mesmo depois que a condição estacionária é estabelecida. O ar fora da zona de água morta deixa o bordo de fuga de maneira suave, como se esta região fosse uma extensão física do perfil.
Como já foi dito, a condição de Kutta é uma condição matemática para a solução de escoamentos potenciais. Ela relaciona a velocidade do intradorso com a do extradorso. Existem duas possibilidades para o bordo de fuga de um perfil:
• Bordo de fuga em forma de cunha (figura abaixo à esquerda);
• Bordo de fuga com ângulo finito (figura abaixo à direita).
A condição de Kutta, que garante que o escoamento deixe o bordo de fuga de maneira suave, vai ser diferente para cada uma das situações. No primeiro, a velocidade no ponto do bordo de fuga, marcado com o ponto vermelho, não é nula. E, neste caso, a velocidade do extradorso (V1) e velocidade do intradorso (V2) devem ser iguais: V1 = V2 ≠ 0. No segundo caso, com ângulo de ataque finito, os vetores de velocidade do intradorso e extradorso se cruzam. Como ambos os vetores estão localizados no ponto vermelho, essa condição não é possível. A única solução para o “impasse” é que a velocidade dos dois vetores seja nula. Ou seja, neste caso, a condição de Kutta estabelece que: V1=V2=0.
Essas formulações matemáticas são essenciais para a solução de escoamento pela teoria potencial, mas a condição de Kutta também auxilia na interpretação física do escoamento e é importante para a compreensão de como a sustentação é gerada.
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