Baixo
O nome polar de arrasto foi dado pelo famoso pioneiro da aviação Otto Lilienthal em suas medições de força e arrasto de asas. Na discussão de quem voou primeiro: Santos Dumont ou Irmão Wright, acabamos por esquecer Lilienthal. Ele foi um precursor dos primeiros vôos motorizados, tendo realizado um voo de 24m de distância em 1891 com seu planador. Em 1896 ele conseguiu a façanha de voar 243m: sem motor, porém controlado e digno de memória.
Vale lembrar que os Irmão Wright voaram 7 anos depois, em 1903 e Santos Dumont, com o 14 bis, em 1906. Mas os Irmão Wright utilizaram uma catapulta para decolar… Vamos deixar este assunto para uma outra discussão!
Antes de alçar voo pela primeira vez, Otto Liliethal gastou 20 anos em análises aerodinâmicas, para então aplicar seu conhecido, baseado nas formas dos pássaros, na criação de seu planador. Ele mediu a eficiência de diversos tipos de asa e utilizou um método de registro de seus dados de uma maneira radial: polar. A figura abaixo mostra alguns resultados da polar de medição de arrasto da época. Por este motivo o nome Polar de Arrasto ainda é utilizado para representar a relação entre a Sustentação e o Arrasto.
Após a criação dos conceitos de coeficientes aerodinâmicos o termo Polar de Arrasto continuou a ser utilizado para a curva que representa a relação entre o CD e CL (coeficiente de arrasto e sustentação). Quando os dados de um perfil aerodinâmico são medidos em túnel de vento ou estimados numericamente a curva de CD x CL é chamada de Polar de Arrasto do perfil. Veja que isto representa de uma maneira simples a eficiência, que é dada pelo tanto de arrasto que este gera para uma determinada sustentação: o famoso L/D ou CL/CD.
– A Polar de Arrasto de um perfil apresenta a relação de CD x CL e também deve ser medido ou estimado o momento de arfagem (dado pelo coeficiente CM) que está relacionado a um dado CL. Isto quer dizer que usualmente não há equilíbrio de forças quando estamos falando de um perfil. O mesmo conceito vale para o tratamento de uma as isolada.
– A Polar de Arrasto de um avião normalmente se refere à relação entre o CD x CL para uma condição em que o momento de arfagem da asa foi equilibrado pela empenagem horizontal, que possui este propósito básico para a sua existência. Para este equilíbrio utilizamos o termo trimagem, e podemos chamar esta polar de Polar de Arrasto trimada. O momento de arfagem da asa é balanceado por uma sustentação na empenagem horizontal, usualmente para baixo, e a componente de sustentação apresentada já contempla o somatório de todos os componentes de sustentação: asa-fuselagem e empenagem.
A longo deste post eu vou tratar de maneira simplificada o passo a passo na fase de elaboração da Polar de Arrasto trimada.
Todas as partes de um avião contribuem com algum arrasto, não há milagre, e, portanto, todas as partes devem ser contabilizadas. O trabalho da elaboração da polar de arrasto de um avião é parte contabilidade e parte física básica para equilíbrio das forças. Veja no diagrama abaixo como as componentes de arrasto se dividem.
Para o caso subsônico as componentes podem ser divididas em Arrasto Parasita e Arrasto Induzido, mas há um terceiro tipo de arrasto que surge quando o momento de arfagem é equilibrado: o Arrasto de Trimagem. Para aeronaves transônicas o arrasto de onda também se torna um contribuinte relevante. Vamos tratar de cada um deles a seguir.
Primeiramente é importante destacar a metodologia básica, proposta por diversos autores e que funciona muito bem para polares totalmente semi-empíricas, mas também é aplicada para polares obtidas a partir de dados de túnel de vento ou CFD. É a metodologia do “Drag breakdown”, que nada mais é que calcular o arrasto isolado de cada componente do avião, o arrasto devido à interferência de um componente em outro, e obter o arrasto total da soma dos componentes.
Quando túnel de vento ou CFD são utilizados a estrutura do que deve ser ensaiado ou simulado é fundamental para que permita a realização do breakdown. Saber a contribuição no arrasto de cada componente é importante para que seja possível identificar oportunidades de melhoria no projeto.
O arrasto parasita contempla o arrasto de todas as componentes que apresentam pouca relação com a sustentação. Isto faz sentido para corpos que geram pouca sustentação como fuselagem, empenagem vertical, antenas e etc. É possível que este seja considerado como um valor constante com a sustentação e toda a componente de arrasto que depende da sustentação interpretada como arrasto induzido e arrasto de trimagem. O arrasto de onda é um caso particular do arrasto parasita que apresenta grande dependência com a sustentação. O equacionamento básico seria assim:
Onde:
Considerar o arrasto de uma fuselagem ou antena independente da sustentação é uma boa aproximação, mas esta aproximação é pobre para o caso de perfis aerodinâmicos. A figura abaixo apresenta a curva de CD x CL do perfil Selig 1223, gerada pelo software XFoil, muito utilizado nas competições de Aerodesign por possuir um alto valor de CLmax.
Atente para o fato de que a sustentação está apresentada na ordenada, para que possa ser diretamente relacionada com o gráfico de CL x Alfa (ângulo de ataque) da direita. Este tipo de representação é muito prática para este fim. Veja que na faixa de CL entre 0.8 e 1.5 o arrasto do perfil apresenta pouca variação. Quando estamos tratando da polar de arrasto da aeronave em voo de cruzeiro, e não pouso e decolagem, os valores de CL são mais baixos devido à alta velocidade e a simplificação de considerar o valor constante pode ser apropriada.
Nas condições de pouso e decolagem, baixa velocidade e alto CL, esta simplificação não se mostra adequada. Neste caso se faz a utilização do arrasto de perfil em função do ângulo de ataque ou da sustentação. Isto quer dizer que o arrasto, que ainda assim chamaremos de parasita, apresentará variação com a sustentação.
Este arrasto deve ser considerado no momento de cálculo do arrasto do conjunto asa-fuselagem. O processo semi-empírico usual é determinar a polar de arrasto da asa, que considerará o arrasto induzido, e durante esta fase utilizar os dados do perfil conforme o ângulo de ataque local em cada parte da asa. Alguns métodos numéricos simples são adequados, tais como a teoria da linha sustentadora ou vortex lattice. Após este cálculo a curva de CL x Alfa e CM x Alfa da asa também pode ser obtida, e em seguida a influência da fuselagem sobre a asa deve ser estimada.
Excrescências é o termo utilizado as imperfeições que existem na aeronave real, que usualmente não são consideradas em métodos semi-empíricos básicos ou mesmo em túnel de vento e CFD. O arrasto de excrescência é dado por:
A divisão do que é considerado excrescência e do que é considerado arrasto parasita básico acontece devido à forma com que os cálculos são feitos. As metodologias semi-empíricas usuais de estimativa de arrasto apenas consideram a forma do corpo perfeito, tais como uma fuselagem sem degraus, frestas, buracos, antenas ou carenagens. Estas metodologias são baseadas em resultados de túnel de vento que originam ábacos para a consulta.
As melhores referências para a estimativa de arrasto parasita são os livros Fluid Dynamic Drag, do Hoerner, Airplane Design, do Roskam, Synthesis of Subsonic Airplane Design, do Torenbeek e as série do ESDU e DATACOM. É um material histórico e vasto em termos de metodologias e tipos de componentes que podem ser contabilizados.
De uma maneira geral, o arrasto parasita de um componente será dado por:
Sendo: FF o fator de forma, Cf o coeficiente de fricção e Swet a área molhada.
O fator de forma dependerá do tipo de corpo e da razão de esbeltez, dada pela relação entre a altura e comprimento do corpo em questão. O CF dependerá do número de Reynolds e da rugosidade superficial. O processo usual é determinar uma condição de voo como referência para a polar de arrasto, na qual o número de Reynolds de referência é estabelecido. Durante o cálculo do desempenho uma correção do arrasto de fricção devido a variação do Reynolds durante as fases do voo deve ser utilizada.
No caso do perfil, pode-se utilizar a polar de arrasto medida em túnel de vento ou estimada numericamente por algum software de CFD, tal como o XFoil, e considerar a variação do arrasto com a sustentação ou ângulo de ataque.
Para o arrasto de interferência existem metodologias dedicadas, que também podem ser encontradas nas referências que citadas acima. A figura abaixo apresenta de maneira esquemática o efeito da fuselagem na asa isolada. Há aumento de sustentação na região próxima a fuselagem e redução na região da fuselagem. As metodologias semi-empíricas permitem a estimativa do arrasto desta interferência e também do efeito da curva de CL e CM, fundamental na obtenção da polar de arrasto.
O arrasto induzido já foi discutido no post sobre o winglet. Para facilitar a vida do leitor vou reproduzir parte deste texto a seguir.
Um perfil nada mais é que uma asa de envergadura infinita, que não sofre os efeitos da ponta de asa. Devido à inexistência das pontas de asa não há nenhuma velocidade induzida pelos vórtices que se formam nas pontas, e assim não há arrasto induzido. Em túnel de vento está condição é normalmente simulada fazendo com que o modelo do perfil fique encostado nas paredes do túnel.
Os vórtices de ponta de asa são originados devido à diferença de pressão entre o extradorso e o intradorso quando há sustentação. Como a pressão é mais baixa no extradorso o ar das pontas é forçado a curvar nas pontas de asa.
A tendência de curvar associada à velocidade na direção do escoamento faz com que sejam formados vórtices, os famosos vórtices de ponta de asa.
A presença dos vórtices nas pontas de asa induz uma velocidade para baixo, conhecida como downwash, ao longo de toda a envergadura da asa. Isto faz com que o ângulo de ataque local seja diferente em cada parte da envergadura, e menor que o ângulo de ataque geométrico da asa. Como a asa está sob um ângulo de ataque efetivo menor que o geométrico, a primeira conseqüência é que está irá gerar menos sustentação que um perfil para um mesmo ângulo.
Prandtl já havia feito um experimento comprovando como asas de menor razão entre a envergadura e corda, o famoso alongamento, possuem uma menor derivada da curva de CL x ângulo de ataque (α).
Neste ponto vale destacar que o alongamento é definido pela equação abaixo, sendo “b” a envergadura, “S” a área da asa e “c” a corda média geométrica da asa.
Sem entrar muito a fundo no equacionamento que pode ser feito pela teoria potencial, o efeito físico é que devido ao menor ângulo de ataque, e por ser a sustentação perpendicular ao escoamento, a sustentação local estará apontando para trás em relação à sustentação total, que é referenciada ao ângulo de ataque geométrico. A componente da sustentação orientada na direção do escoamento é o arrasto induzido. Um pouco complicado, mas a figura do Anderson, do livro Fundamentals of Aerodynamics, deixa a decomposição vetorial mais clara.
Seguindo a teoria potencial é possível demonstrar que o coeficiente de arrasto induzido será definido por:
Assim, é importante notar as seguintes dependências:
Os coeficientes são muito úteis para se trabalhar, mas pensando no avião real o que vai interessar é a força de arrasto. Assim é importante verificar qual a dependência da força de arrasto com a geometria. Vou tentar manter o equacionamento simples, partindo da definição do arrasto induzido (arrasto, não o coeficiente de arrasto), do coeficiente de sustentação e do coeficiente de arrasto induzido.
Substituindo CDi e CL na fórmula do arrasto induzido chegamos a seguinte equação:
O arrasto induzido é dependente da sustentação ao quadrado e do inverso ao quadrado da envergadura da asa. A relação com alongamento aparece quando a área de asa é utilizada para coeficientes, mas em termos de força de arrasto induzido apenas a envergadura importa. A relação com a envergadura deixa tudo mais simples de entender: afaste os vórtices de ponta de asa da asa e você terá menor arrasto induzido. Simples assim.
Diversas metodologias podem ser aplicadas na estimativa do arrasto induzido, desde a utilização do equacionamento básico da Teoria da Linha Sustentadora, muito bem apresentado no Fundamentals of Aerodynamics, do Anderson, ou softwares de cálculo numérico (CFD), tais como o XFLR5 que utiliza a linha sustentadora, vortex lattice ou métodos dos painéis.
Metodologias de maior fidelidade, tais como softwares de CFD que resolvem as equações de Navier Stokes, também podem ser utilizadas. Neste caso o resultado de arrasto parasita e induzido são um pouco mais difíceis de ser separados, da mesma forma que em túnel de vento, mas existem metodologias adequadas para o tratamento destes dados.
Durante o projeto de um avião o nível de complexidade e fidelidade vai aumentando juntamente com as fases de desenvolvimento. Na fase de Estudos Conceituais os métodos semi-empíricos, ou numéricos de menor fidelidade são utilizados. Na fase do Projeto Preliminar são utilizados métodos semi-empíricos e numéricos de maior fidelidade. Sendo possível que ocorram ensaios em túnel de vento para aumentar a precisão dos resultados.
Cada companhia possui um banco de dados de aeronaves que já foram desenvolvidas, e estes dados são utilizados para a elaboração de novos métodos semi-empíricos. O ganho de conhecimento com os dados de um ensaio em túnel de vento na fase do projeto detalhado de um avião pode se tornar fonte de dados para a fase conceitual de um outro avião.
No caso dos ensaios em túnel de vento, o breakdown de arrasto, pode ser feita ensaiando diferentes configurações com e sem a parte que se deseja saber o arrasto. Uma subtração simples dos dados poderá indicar o arrasto de cada componente, sendo que parte deste arrasto será devido a interferência entre eles.
Na figura abaixo é mostrado o teste em túnel de vento do 787 em que a empenagem horizontal foi removida para que os efeitos em arrasto, sustentação e momento pudessem ser separados do efeito da configuração Asa-Fuselagem-Pilone-Motor. A empenagem horizontal é tratada como uma pequena asa, e possui curva de CL x Alfa e CD x CL dedicadas.
O cálculo de desempenho de cruzeiro parte do princípio que o avião está equilibrado (trimado) como na figura abaixo. Para este cálculo o avião pode ser considerado como um ponto, e as equações do cálculo de desempenho determinam as condições atmosféricas, peso, velocidade, número de Reynolds e Mach que o avião se encontra. Com estes dados a sustentação (CL) é determinada e em seguida obtido o valor de arrasto (CD) a partir da polar de arrasto e correção do número de Reynolds.
Sendo o arrasto igual à tração é possível determinar qual o consumo de combustível em um determinado tempo e assim calcular o peso no próximo intervalo de tempo considerado. Este processo que mencionei seria realizado através de uma integral numérica, mas existem equações, as famosas equações de Breguet, que possibilitam a estimativa do desempenho utilizando parâmetros básicos da polar de arrasto.
A trimagem, ou equilíbrio de forças deve considerar a somatória de todos os componentes em CL, CD e CM. É importante que nesta fase a curva CL x Alfa, CD x Alfa e CM x Alfa (ângulo de ataque) de todo o avião, com exceção da empenagem horizontal, seja conhecida. Isto quer dizer que nesta fase o breakdown de arrasto e demais componentes no CL e CM já deve ser montado em uma única parte.
Ressalto que a contribuição da fuselagem no momento de arfagem costuma ser significativa e não deve ser desprezada.
De maneira a simplificar a nomenclatura vamos tratar o conjunto Asa-fuselagem-Empenagem-Vertical-Nacele-Motor como uma componente apenas e referenciá-lo como WBPNV (wing-body-pylo-nacele-vertical tail) no equacionamento a seguir. A empenagem horizontal será referência como HT e o motor como T.
Para fins didáticos preferi manter o equacionamento simples, mas que garante um entendimento básico. Uma simplificação relevante e que aumenta a complexidade da trimagem é o downwash da asa sobre a empenagem horizontal.
Quando o escoamento passa pela asa ele é defletido para baixo, e por este motivo o ângulo de ataque aerodinâmico real na empenagem horizontal é diferente do da asa: o AlfaHT. Novamente, existem diversas metodologias experimentais e semi-empíricas para a determinação deste efeito, que é função da sustentação da asa. A consideração do downwash vai acrescentar mais alguns senos e cossenos nas componentes da HT que devem ser utilizados para uma estimativa mais precisa da polar de arrasto trimada.
O arrasto de onda aparece quando o escoamento é acelerado a velocidades maiores do que a velocidade som. Isso pode acontecer mesmo quando um avião voa abaixo da velocidade do som.
Este arrasto vai ter como principal fonte a asa, onde as acelerações de velocidade são maiores. E passa a ser mais relevante para números de Mach (razão entre a velocidade da aeronave e a velocidade do som) maiores que 0.70. É um dos principais parâmetros no projeto de uma asa transônica. Por ser uma componente significativa do arrasto, algo como 20 a 30 drag counts (sendo 1 drag count = 0.0001 de CD) na condição de cruzeiro, ele deve ser levado em conta.
Este arrasto possui alta dependência com o CL da asa. Além disso é normalmente analisado como o incremento de arrasto à partir de uma condição aproximadamente subsônica, tal como Mach = 0.50. O aumento de arrasto em função do número de Mach à partir do subsônico de referência é chamado de Drag rise.
A figura abaixo apresenta como exemplo a variação do arrasto do 777-200 com o número de Mach. Vamos tratar do arrasto de onda em um post dedicado e neste primeiro momento apenas vou lembrar que ele existe e deve ser considerado.
A polar de arrasto é um ponto chave no projeto de um avião. A partir dela o desempenho do avião é estimado e a geometria deste alterada durante o projeto para que as melhores soluções de compromisso multi-disciplinar sejam estabelecidas.
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