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Túnel de Vento na Indústria Aeronáutica

Escrito por  Rodrigo Sorbilli
em 31 de janeiro de 2020

Túnel de vento e sua contribuição para a Indústria Aeronáutica

Túneis de vento são belas ferramentas para o entendimento e estudo da aerodinâmica. Este é um assunto extremamente interessante e abrangente, assim neste primeiro post pretendo dar uma passada geral de o que são túneis de vento, para que servem e algumas complicações envolvidas em um ensaio em túnel de vento. Ao final do post vou indicar diversos vídeos e sites que possuem dados interessantes. Os túneis de vento serão tema de mais alguns post deste blog, quando abordaremos maiores detalhes de como são feitos os ensaios e exatamente como eles contribuem no projeto de um avião.

A filosofia aplicada é bem simples, ao invés do ar ficar parado e avião se mover nele é feito o contrário, o modelo do avião fica parado e o ar que se move. Fisicamente é só uma questão de referência, e o efeito sobre o avião será o mesmo. Isto possibilita medir o efeito do voo do avião mesmo com ele no chão. É possível afirmar com confiança que nenhuma nova aeronave grande faz o seu primeiro voo sem antes de ter passado por alguns ensaios em túnel de vento.

A filosofia é simples, mas a ciência por trás de construir um bom túnel de vento é complexa. Para começar temos o problema do tamanho. Na vasta maioria das vezes não é possível colocar o avião real dentro do túnel, e assim são utilizados modelos em escala dos aviões que acrescentam a necessidade de corrigir tais resultados para a condição real de voo. Esta correção é uma fonte de incerteza e abordaremos algumas tecnologias que permitem diminuir a discrepância entre o túnel e o voo.

Na figura abaixo eu apresento uma exceção para a condição de colocar um avião real no túnel de vento. Este é o F-18 real no túnel de vento da NASA em Ames’s Research Center nos EUA. Este túnel possui uma seção de ensaio de 24m x 36m. São necessários seis motores de 22.500hp (135.000hp no total!!!) que movimentam 15 hélices que podem acelerar o ar a 185km/h. Realmente impressionante.

túnel de vento ensaio nasa

O túnel de vento é basicamente um grande tubo aonde o ar circula impulsionado por hélices. A figura abaixo apresenta uma vista esquemática de um túnel de vento. Do lado oposto da seção de ensaio, aonde é colocado o modelo o avião, há um motor, geralmente elétrico, que gira uma hélice. Após passar pela hélice o diâmetro do tubo aumenta e o ar é forçado por aletas que devem garantir que o ar faz a curva de maneira organizada, além de reduzir a turbulência e o movimento de rotação que foi induzido nas hélices.

estrutura de um túnel de vento

O tubo faz mais uma curva e o ar passa por outras aletas. Antes da contração da seção de ensaio, que nada mais é do que um tubo de venturi para acelerar o ar um pouco mais, há uma tela fina que serve para quebrar as grandes turbulências e transformar em pequenas turbulências se dissipam mais rapidamente.

Na seção de ensaio o desafio de projeto de um túnel de vento é obter um escoamento uniforme e com o menor nível de turbulência possível. O nível de turbulência de um túnel costuma ser um parâmetro de comparação da qualidade deste.

Na figura baixo vemos o modelo do Airbus A-340 no ETW (European Transonic Wind Tunnel). Este é um túnel muito especial e mais tarde vamos falar um pouco mais sobre ele. No momento o que eu gostaria de destacar é que o modelo é suportado por uma estrutura que possibilita a variação da posição longitudinalmente e lateralmente, caso aplicado. Este suporte deve ser projetado para minimizar os efeitos aerodinâmicos sobre o modelo, pois se ele perturbar muito o escoamento a condição do túnel de vento se afastará da condição de voo, aonde obviamente não há suporte.

Entre o suporte e o modelo deve existir uma balança para as medidas de força. Neste caso a balança está instalada dentro do modelo (balança interna), fazendo a ligação entre o suporte e o modelo. Também é possível utilizar balanças externas, que obviamente são mais fáceis de instalar, porém podem dificultar a distinção de quais forças são originadas no modelo e quais são do suporte.

seção de um túnel de vento no ensaio do a380

Vamos olhar agora para o modelo da figura acima e tentar identificar quais as diferenças deste para ao avião real, na figura abaixo. Bem, vamos começar com a mais óbvia, o tamanho. A seção de deste túnel possui 2.0m x 2.4m, e assim dá para estimar que o modelo tem cerca de 1.70m de envergadura. O A340 real possui 60.3m de envergadura. Está ai uma bela diferença. Como fazemos para compensar esta grande diferença de tamanho?

Airbus A380 no solo

No caso de ensaios em túnel de vento, dois parâmetros aerodinâmicos são os mais relevantes: o número de Mach e o número de Reynolds. O número de Mach é uma razão entre a velocidade do ar e a velocidade do som. A maneira como o escoamento se desenvolve em qualquer corpo é fortemente dependente do número de Mach. Para números de Mach menores que 0.30, ou seja, 30% da velocidade do som, o escoamento é considerado subsônico, o que quer dizer que o efeito do número de Mach é desprezível. Para valores acima deste os efeitos transônicos já começam a aparecer e se tornam muito relevantes para valores maiores que Mach 0.70.

O A340 pode atingir a velocidade de número de Mach 0.86. O ETW pode atingir Mach de até 1.35, assim não haverá simplificação nenhuma neste parâmetro, o avião será testado no mesmo número de Mach do voo.

No caso do número de Reynolds as coisas começam a complicar. O número de Reynolds é uma relação entre as forças de inércia e as forças viscosas, sendo função da densidade do ar, velocidade e tamanho do objeto para a viscosidade do ar (ver equação abaixo). Para aviões a corda média aerodinâmica é utilizada como referência.

equação do número de reynolds

Como o tamanho do modelo no túnel de vento é muito menor que do avião real, e sendo a velocidade a mesma, o número de Reynolds vai ser muito menor caso os parâmetros do ar sejam iguais. Uma maneira de tentar diminuir a discrepância é aumentar a densidade do ar, e isto é feito usualmente aumentando a pressão no túnel de vento. Assim, existem dois tipos de túnel de vento, os pressurizados, que possibilitam maior densidade do ar e assim maior número de Reynolds, e os atmosféricos, que possuem a densidade do ar igual do local em que estão.

O ETW além de aumentar a pressão na seção de ensaio, diminui drasticamente a temperatura, atingindo valores de -163ºC, o que aumenta mais a densidade. Este tipo de túnel é conhecido como túnel criogênico. Um efeito colateral é que a viscosidade do ar também é reduzida, mas o efeito neste parâmetro é menor que o efeito na densidade assim o saldo é positivo. Neste tipo de túnel é possível atingir o mesmo número de Reynolds e de Mach da condição de voo, o que elimina o erro na correção destes parâmetros para o voo.

O ETW utiliza nitrogênio liquido que se torna gasoso quando colocado na seção de ensaio e abaixa a temperatura do túnel. Vocês já podem imaginar que será necessária uma grande quantidade de nitrogênio liquido e basta ver o tamanho do cilindro de nitrogênio líquido que eles possuem ao lado do túnel de vento, na foto abaixo, para confirmar a suspeita.

túnel de vento etw

A grande quantidade de nitrogênio líquido e todas as complicações imagináveis de se ter um ensaio a -160ºC, aonde não é possível sequer encostar no modelo, fazem com que o custo do ensaio em túneis de vento criogênico seja altíssimo. Devido ao custo, o procedimento usual dos fabricantes de aeronaves é utilizar túneis de vento comuns, pressurizados ou atmosféricos grandes, e quando aplicável fazer uma pequena quantidade de testes em túneis de vento criogênico. Os dados obtidos em menor número de Reynolds terão que ser corrigidos para a condição de voo, mas isto é assunto para outro post.

O ETW, que se localiza em Colônia na Alemanha, se tornou operacional em 1993, mas dez anos antes o túnel criogênico NTF (National Transonic Facility) já estava em operação. Este túnel possui características similares ao ETW, e está localizado na NASA. Na figura abaixo é possível ver uma meia maquete do Boeing 777 sendo ensaiada no NTF na configuração de pouso e decolagem.

ensaio do boeing 777 no túnel de vento NTF

O site do ETW possui diversas informações públicas que podem ser de interesse, tais como artigos e jornais informativos. Neste jornais é possível ver as fotos e uma breve história do ensaio de diversos fabricantes no túnel, tais como Airbus (A340 e A380), Falcon (Falcon 5X), Boeing (787), Bombardier (Blobal 7000 e 8000) e EMBRAER (Legacy 500).

Hoje em dia a aerodinâmica numérica (CFD-Computational Fluid Dynamics) tem aumentado de qualidade, associada ao desenvolvimento de novos modelos de turbulência e aumento da capacidade computacional. A maior capacidade permite maior refinamento da malha em torno da geometria do avião aonde o escoamento é calculado. Devido a esta melhoria dúvidas que antes somente podiam ser tiradas em túneis de vento agora podem ser adiantadas pela simulação em computador.

Seria este o fim dos ensaios em túnel de vento?

Ainda não! Túneis de vento continuam sendo essenciais para condições em que os modelos numéricos ainda não apresentam a fidelidade adequada, principalmente nas situações em que o escoamento se encontra com a camada limite descolada. Além disso, quando se deseja obter um resultado extremamente confiável da característica de voo e desempenho de um avião o túnel de vento ainda é a melhor ferramenta.

A figura abaixo dá uma melhor idéia da utilização dos túneis de vento, mostrando o tempo total gasto em ensaios no projeto de diversos aviões ao longo dos anos. Veja que o último ponto do gráfico, o A380 da Airbus, ainda utilizou muitas horas de ensaio em túnel de vento.

gráfico da evolução das horas de testes em túneis de vento com o passar dos anos na indústria aeronáutica

O ensaio em túnel de vento pode ter diversos objetivos que podem ser atingidos por diversos meios. Vamos enumerar alguns deles:

  • Medir forças e momentos para cálculos de mecânica de voo e desempenho;
  • Medir a distribuição de pressão e distribuição de velocidade;
  • Visualizar o escoamento para aumentar o entendimento;
  • Medir o ruído causado pelo avião;
  • Avaliar a carga em componentes;
  • Mensurar a vibração do avião em certas condições;
  • Verificar quais as formas de gelo podem ocorrer em voo e o impacto destas;
  • Medir as forças em componentes e superfícies de controle;
  • Determinar o efeito do solo no avião para condições de pouso e decolagem;
  • Medir o efeito da tração do motor e hélices

 

Todos os fatores mencionados acima fazem parte do desenvolvimento do projeto de um avião. O túnel de vento é a ferramenta com maior fidelidade para a obtenção destes dados antes do primeiro voo, diminuindo a incerteza e riscos no projeto.

A quantidade de túneis de vento no mundo é enorme. Em 1985 a NASA  publicou um trabalho em que mapeou todos os grandes túneis de vento dos EUA, Europa e Japão disponível em PDF. A figura abaixo dá uma idéia de qual país possui maior quantidade de túneis de vento.

gráfico do número de túneis de vento por país

É claro que a Rússia não participou da pesquisa em pleno período de guerra fria, mas pelo jeito eles não estão muito atrás. Veja o site do TsAGI, maior instituto. O último túnel, T-128, dá uma idéia do número de túneis que existem por lá. Note que o T-128 possui um motor de 134.000hp, o dobro da potência do motor do ETW, e a mesma potência de todos os motores do túnel gigante da NASA juntos.

Se você se interessou pelo assunto passe algum tempo vendo os vídeos e sites que estou indicando abaixo. Vale a pena!

E não se esqueça de visitar os outros posts sobre aerodinâmica que eu escrevi para o site. Clique aqui para ver todos eles.

Vídeos interessantes:

Ensaio do 737 Max da Boeing no BWTW, túnel transônico da Boeing.

Ensaio do CSeries da Bombardier no túnel subsônico da ONERA na França

Oficina de fabricação de modelos de túnel de vento da Boeing

Ensaio do A340 da Airbus no LLF (Large Low-speed Facility), túnel subsônico grande na Holanda.

Fabricação do modelo do KC-390 na Embraer para o ensaio no LLF.

Ensaio do KC-390 da Embraer no LLF.

Vídeos promocionais da DNW (German-Dutch Wind Tunnels), consórcio Alemão e Holandês de túneis de vento.
Vídeo 1
Vídeo 2

Ensaio da empenagem vertical do 757 em escala 1:1 com controle ativo de escoamento no túnel gigante da NASA

Ensaios aeroelásticos da NASA no período de 1960 a 1981

Notícias de ensaio em túnel de vento de fabricantes de avião

777X no QnetitQ’s na Inglaterra

CSeries da Bombardier no ETW

G650 da Gulfstream na NASA

Instituições e seus túneis de vento

NASA

Boeing

Vídeo comemorativo dos 70 anos de túneis da Boeing

ETW (Túnel criogênico na Alemanha)

TsAGI (Instituo Russo de aerodinâmica)

DNW

ARA (Centro aerodinâmico Inglês)

ONERA (Instituição Aeronáutica Francesa)

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