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Este não é um blog de respostas simples e, como não poderia deixar de ser, a primeira resposta para a pergunta é: o winglet geralmente melhora o desempenho (veja que eu disse geralmente…), mas também deixa o avião mais bonito. Esta segunda parte sobre a beleza pode parecer brincadeira, mas não é.
O conceito de beleza com certeza é diferente para cada pessoa, mas aparentemente as pessoas ricas o suficiente para comprar um avião executivo acham o winglet bonito ou, no mínimo, gostam da imagem moderna que eles passam. A maioria esmagadora de novos aviões executivos tem sido projetada com winglet. Já os aviões comerciais, aonde a beleza não é tão relevante assim, outros tipos de ponta, como as Raked wingtips, também têm sido utilizadas como solução.
Na tabela abaixo eu mostro fotos dos últimos projetos de aviões executivos e comerciais. Veja que o winglet é uma unanimidade nos aviões executivos de médio a grande porte, enquanto nos comerciais os tipos de ponta de asa variam.
É importante lembrar que um avião executivo além de um meio de transporte é um bem de luxo, tal como uma Ferrari ou um Lamborghini. Assim os clientes deste tipo de avião são atraídos também pela beleza das aeronaves. Sendo assim, porque alguns aviões executivos não possuem winglet? A instalação de winglet traz algumas complicações e nem sempre é possível harmonizar todos os critérios de desempenho, mecânica de voo e estruturas.
Vamos deixar a discussão sobre a beleza de aviões de lado e voltar para a engenharia. Para entender o princípio do winglet primeiramente é necessário repassarmos os conceitos básicos de arrasto para então entendermos o arrasto induzido e finalmente como o winglet funciona. Vai ser um caminho um pouco longo, mas vai valer a pena.
Vamos contextualizar os tipos de arrasto, apresentados no diagrama abaixo. O arrasto é basicamente dividido em arrasto parasita e arrasto induzido. O arrasto parasita possui menor relação com sustentação, e para princípios de contabilidade no cálculo do desempenho de um avião o coeficiente de arrasto parasita pode ser assumido como constante com a sustentação. Veja que somente o coeficiente é assumido constante, o arrasto ainda apresentará variação com a pressão dinâmica, que é dependente da densidade do ar e da velocidade ao quadrado ().
O arrasto parasita é composto do arrasto de perfil e arrasto de interferência, que acontece devido à influência de uma parte do avião em outra. O arrasto de perfil é composto do arrasto de fricção e de pressão do corpo em questão.
O terceiro tipo é o arrasto de onda, que é em parte arrasto de pressão e em parte arrasto devido aos efeitos de compressibilidade que acontece quando a velocidade do ar começa a se aproximar da velocidade do som. Este arrasto apresenta grande dependência com a sustentação. Trataremos do arrasto de onda em um post dedicado. Neste momento vamos tentar entender como é a relação do arrasto parasita e o arrasto induzido.
O arrasto parasita é originado de todos os componentes da aeronave: fuselagem, asa, cauda, pilone do motor, nacele do motor, antenas, sensores, entradas de ar e demais componentes. A somatória de todos os coeficientes de arrasto parasita, que não considera o efeito da sustentação, será nomeada de CD0.
Um perfil nada mais é que uma asa de envergadura infinita, que não sofre os efeitos da ponta de asa. Devido à inexistência das pontas de asa não há nenhuma velocidade induzida pelos vórtices que se formam nas pontas, e assim não há arrasto induzido. Em túnel de vento está condição é normalmente simulada fazendo com que o modelo do perfil fique encostado nas paredes do túnel.
Os vórtices de ponta de asa são originados devido à diferença de pressão entre o extradorso e o intradorso quando há sustentação. Como a pressão é mais baixa no extradorso o ar das pontas é forçado a curvar nas pontas de asa.
A tendência de curvar associada à velocidade na direção do escoamento faz com que sejam formados vórtices, os famosos vórtices de ponta de asa.
A presença dos vórtices nas pontas de asa induz uma velocidade para baixo, conhecida como downwash, ao longo de toda a envergadura da asa. Isto faz com que o ângulo de ataque local seja diferente em cada parte da envergadura, e menor que o ângulo de ataque geométrico da asa. Como a asa está sob um ângulo de ataque efetivo menor que o geométrico, a primeira conseqüência é que está irá gerar menos sustentação que um perfil para um mesmo ângulo.
Este efeito não é nenhuma novidade. Prandtl já havia feito um experimento comprovando como asas de menor razão entre a envergadura e corda, o famoso alongamento, possuem uma menor derivada da curva de CL x ângulo de ataque (a).
Neste ponto vale destacar que o alongamento é definido pela equação abaixo, sendo “b” a envergadura, “S” a área da asa e “c” a corda média geométrica da asa.
Bem, e aonde o arrasto induzido se encaixa nisto tudo? Sem entrar muito a fundo no equacionamento que pode ser feito pela teoria potencial, o efeito físico é que devido ao menor ângulo de ataque (), e por ser a sustentação perpendicular ao escoamento, a sustentação local estará apontando para trás em relação à sustentação total, que é referenciada ao ângulo de ataque geométrico (). A componente da sustentação orientada na direção do escoamento é o arrasto induzido. Um pouco complicado, mas a figura do Anderson, do livro Fundamentals of Aerodynamics, deixa a decomposição vetorial mais clara.
Seguindo a teoria potencial é possível demonstrar que o coeficiente de arrasto induzido será definido por:
Assim, é importante notar as seguintes dependências:
Os coeficientes são muito úteis para se trabalhar, mas pensando no avião real o que vai interessar é a força de arrasto. Assim é importante verificar qual a dependência da força de arrasto com a geometria. Vou tentar manter o equacionamento simples, partindo da definição do arrasto induzido (arrasto, não o coeficiente de arrasto), do coeficiente de sustentação e do coeficiente de arrasto induzido.
Substituindo CDi e CL na fórmula do arrasto induzido chegamos a seguinte equação:
O arrasto induzido é dependente da sustentação ao quadrado e do inverso ao quadrado da envergadura da asa. A relação com alongamento aparece quando a área de asa é utilizada para coeficientes, mas em termos de força de arrasto induzido apenas a envergadura importa. A relação com a envergadura deixa tudo mais simples de entender: afaste os vórtices de ponta de asa da asa e você terá menor arrasto induzido. Simples assim.
Vamos utilizar o 737 como exemplo do efeito da envergadura ou alongamento no arrasto induzido, partindo dos seguintes dados:
Vamos assumir um arrasto parasita total de 230 drag counts, sendo 1 drag count = 0.0001 em CD, ou seja, 0.0230 de CD0. Também vamos assumir que o 737 possui Fator de Oswald igual a 1 e utilizar o modelo de arrasto total de segundo grau de dois termos, conforme a equação abaixo:
Com estes dados traçamos os valores do coeficiente de arrasto do 737 para diversos valores de alongamento, e também podemos ver qual seria a envergadura de asa para que a área de asa fosse mantida constante (124.6m²). Os resultados são apresentados no gráfico abaixo. A linha preta é a geometria de referência com alongamento de 9.5. Veja que o arrasto é mínimo para CL = 0 neste modelo simplificado, valendo os 230 drag counts.
Vamos considerar um valor de CL igual a 0.50, típico para a condição de cruzeiro de aeronaves de transporte. Para um alongamento igual a 7.0 a envergadura seria 4.8 metros menor, e isto resultaria em um arrasto total 9.4% maior. O ponto típico de cruzeiro costuma ter relação direta com o consumo, e assim é possível estimar que uma asa de alongamento 7.0 tenha um consumo 9.4% maior que uma asa de alongamento 9.5 (sem considerar diferença no peso da aeronave devido às diferentes cargas e estrutura associada).
Por outro lado, caso o 737 tivesse uma envergadura 13 metros maior, indo de 34.3m para 47.4m de envergadura e 9.5 para 18.0 de alongamento, o arrasto seria 12.7% menor no ponto de cruzeiro típico. Então, fica a pergunta: porque não fazer asas de grande alongamento para uma dada área de asa?
A resposta é multidisciplinar. Quanto maior a envergadura maior será o momento fletor na asa e menor a espessura para alocar a estrutura. Isto vai resultar em maior peso estrutural que vai consumir parte do ganho da maior envergadura. Outros fatores como limitação de envergadura em certos aeroportos e efeitos de elásticidade também devem ser levados em conta.
Em alguns casos o alongamento paga o seu preço, e isto fica claro para planadores. No caso do planador Eta, mostrado abaixo, o conceito foi levado ao limite. Com um peso máximo de decolagem de apenas 850kg este planador possui apenas 3.4 metros a menos de envergadura que o 737, que possui cerca de 80.000kg de peso máximo de decolagem. O alongamento da asa é igual a 51, o que garante uma razão de planeio de 70:1 (arrasto 70 vezes menor que a sustentação). Impressionante, porém sem fins práticos para as aeronaves de transporte comercial.
Para fins práticos é sempre bom ter em mente o que realmente acontece à medida que a velocidade de um avião varia. Considerando um vôo reto nivelado e com peso constante, a sustentação será sempre igual ao peso para qualquer velocidade. Para menores velocidades o CL será maior e para maiores velocidades o CL será menor.
Isto altera a maneira com que o arrasto parasita, que é relacionado com um coeficiente constante (CD0), e o arrasto induzido, que é relacionado com o CL ², contribuem para o arrasto total da aeronave. Mais uma vez vamos assumir o 737 com 78.000kg de peso. Calculando o CL para diversos valores de velocidade e as componentes de arrasto parasita (230 drag counts) e arrasto induzido chegamos ao seguinte gráfico (considerando condições atmosféricas ISA do nível do mar).
Veja como o arrasto induzido começa a ser mais relevante que o parasita para menores velocidades. Já, para maiores velocidades, o arrasto parasita passa a ser mais relevante que o induzido.
O CL típico de cruzeiro de 0.50 acontece para a velocidade de 520km/h. Nesta condição o coeficiente de arrasto total é de 320 drag counts, sendo 230 devido ao CD0 e 90 devido ao CDi. Fica claro que um aumento de alongamento será mais relevante para as condições de pouso e decolagem, baixa velocidade, e menos relevante para a condição de cruzeiro, altas velocidades. Apesar disso, continua sendo possível melhorar o desempenho de cruzeiro com o aumento de alongamento, e foi por este motivo que o winglet surgiu, como vamos ver a seguir.
A idéia de instalar um anteparo nas pontas de asa para diminuir a influência dos vórtices de ponta surgiu em 1897, na forma de endplates, que são simples placas nas pontas de asa. Algumas outras pontas também foram utilizadas em aviões ao longo dos anos, mas o winglet somente tomou a forma como conhecemos na década de 70.
O autor do winglet é uma grande referência no mundo da aviação moderna: Richard Whitcomb. Ele é reconhecido, principalmente, por três grandes “invenções”:
Dito isto, eu sugiro uma pequena salva de palmas para Richard Whitcomb, ele merece!
O estudo de Richard Whitcomb foi motivado pelo aumento do preço do petróleo em 1973. O trabalho foi desenvolvido na NASA para tornar as aeronaves já existentes mais eficientes em termos de consumo de combustível. Como a maior parte do consumo acontece durante a fase de cruzeiro, altas velocidades, o winglet foi projetado para melhorar o desempenho neste regime. Isto já traz uma maior dificuldade ao projeto: o aumento de arrasto parasita do winglet (arrasto de pressão e fricção) deve ser menor que a redução do arrasto induzido, mesmo para baixos valores de CL.
A solução mais direta para a redução do arrasto induzido é o aumento de envergadura. Este aumento, no entanto, vai resultar em aumento de momento fletor, sendo necessários grandes reforços estruturais na asa. Estes reforços acarretam em aumento de peso, que por sua vez irá resultar em maior valor de CL durante o vôo e, portanto, aumento de arrasto induzido, consumindo parte do ganho.
O desafio de Whitcomb foi desenvolver uma ponta que pudesse reduzir o arrasto induzido com pequeno aumento de momento fletor. O paper original pode ser encontrado no site da NASA (Link do PDF) e vale dar uma olhada devido ao seu caráter histórico.
Na figura abaixo vemos o clássico winglet de Whitcomb. O winglet em si é a parte que se projeta verticalmente para cima. O winglet menor na frente foi uma solução encontrada à época para solucionar pequenos descolamentos que surgiam na interface do winglet com a asa em condições de maiores valores de CL. Este segundo ponto é pouco importante no momento, mas vale ressaltar que este problema foi resolvido em novas versões fazendo uma transição mais suave entre a asa e o winglet, o blended winglet, como na foto do 737 abaixo.
A eficiência do winglet em termos de redução de arrasto x aumento de momento fletor foi comprovada no túnel de vento da NASA a partir da comparação do winglet com uma ponta de asa plana. A ponta da asa possuia 38% da envergadura do winglet e gerava o mesmo aumento de momento fletor que o winglet. O ganho na eficiência aerodinâmica devido à adição da ponta de asa foi de 4%, enquanto o do winglet foi de 9%. Uma bela diferença.
Mas afinal de contas, como o winglet reduz o arrasto induzido sem aumentar tanto o momento fletor?
Bem, para começar, a sustentação do winglet é praticamente perpendicular a sua própria superfície, e por ser uma superfície quase vertical o momento fletor que este gera na asa é bem menor do que uma ponta que se encontra no mesmo plano da asa.
Em termos de efeito aerodinâmico, podemos dividir o efeito do winglet em duas componentes:
Na figura acima a linha azul representa a distribuição de sustentação da asa sem winglet, e a linha vermelha com winglet. Sem a presença do winglet a sustentação é nula na ponta de asa, porém a presença do winglet permite a existência de sustentação na ponta da asa. Isto faz com que o vórtice de ponta de asa tenda a se formar mais longe, idealmente na ponta do winglet.
Devido ao maior afastamento do vórtice as velocidades induzidas ao longo de toda a asa são reduzidas e o arrasto induzido é menor. É como se o alongamento da asa fosse maior do que o alongamento geométrico, e chamamos este efeito de aumento de alongamento efetivo.
Do ponto de vista do momento fletor o aumento de carregamento na ponta da asa acontece de maneira similar para a ponta de asa plana e para o winglet. Este aumento de carregamento faz com que o momento adicional devido ao efeito na ponta de asa seja similar para as duas soluções de projeto. No entanto, a componente da sustentação do winglet, devido a sua posição quase vertical, gera menos momento fletor que a ponta de asa plana.
A segunda contribuição na redução do arrasto é o efeito de tração do winglet. Devido ao posicionamento quase vertical do winglet o vórtice de ponta de asa induz uma velocidade para dentro, conforme indicado na vista superior da asa abaixo.
Desta forma a sustentação do winglet, que é perpendicular ao “vento” local, o Vwinglet, possui um ângulo em relação à velocidade do ar no infinito. Este pequeno ângulo faz com que a sustentação do winglet esteja projetada para frente em relação ao escoamento no infinito. A componente contrária à direção de vôo é uma pequena tração. Não possuo evidências numéricas, mas é de se esperar que o maior efeito de redução do arrasto do winglet seja devido ao aumento do alongamento efetivo, sendo o efeito da tração secundário.
Lembra-se que eu disse que geralmente sim? O winglet vai acarretar em um aumento de arrasto parasita, mas por outro lado vai reduzir o arrasto induzido. Conforme vimos o balanço destes dois tipos de arrasto vai favorecer muito o beneficio do winglet em baixas velocidades, aonde o arrasto induzido é alto.
No entanto Richard Whitcomb projetou o winglet para melhoria de ganho na condição de cruzeiro, aonde a componente do induzido é menos de 1/3 do arrasto total e ainda assim obteve ganhos expressivos. Uma condição em que o winglet pode passar a ser ruim para o desempenho de um avião é na velocidade máxima, aonde o ganho no arrasto induzido pode ser menor que o aumento de arrasto parasita.
Com tudo isto dito você deve ter virado um fã dos winglets, o que te leva a questionar:
O winglet possui algumas desvantagens que podem levar o fabricante a optar por uma outra solução de projeto. Costumam ter espessura reduzida o que aumenta o peso estrutural. A forma do winglet também é bem mais difícil e cara de ser fabricada do que uma ponta de asa planar.
Um outro ponto negativo é que na interface do winglet com a asa haverá uma “dupla” região de aceleração do escoamento, que pode acabar por gerar separação da camada limite em maiores valores de CL, reduzindo ou anulando o ganho do winglet. Este problema fez com que Whitcomb adicionasse o pequeno winglet para baixo em seu projeto. Pontas de asa plana não sofrem deste mal.
Levando tudo isto em conta, alguns fabricantes têm identificado que a melhor solução multidisciplinar para o avião é uma simples extensão de asa, deixando de lado a beleza que o winglet adiciona aos aviões.
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