Baixo
No artigo anterior foram apresentados, de uma forma bastante sucinta, os conceitos básicos que abordam alguns tópicos de aerodinâmica. Apesar da simplicidade, estes conceitos são importantes, pois podem ser adotados para nos ajudar no dia a dia de um aerodinamicista. Neste artigo iremos abordar o conceito de camada limite e de componentes de arrasto. Então vamos lá!
A camada limite é caracterizada por ser uma região muito fina e definida nas proximidades dos corpos sólidos. Embora seja uma região pequena é na camada limite que temos a origem da boa parte do arrasto. Esta camada surge em função da condição de “não escorregamento” do escoamento que flui sobre corpos. Ou seja, a velocidade do escoamento que está em contato imediato com a superfície do corpo é igual à zero. Como consequência tem-se o surgimento de uma força cisalhante, τw, que dá origem ao coeficiente de atrito, Cf = τw/(qinf.Cref). Esta força é proporcional à viscosidade dinâmica do fluido, μ, e a derivada da velocidade na direção normal a parede du/dy. (Onde qinf é a pressão dinâmica na condição longe do corpo e Cref é um comprimento característico e que pode ser a corda do aerofólio).
O valor da velocidade vai aumentando à medida que nos afastamos da parede. Esta variação de velocidade, numa dada posição x e ao longo de y, dá origem ao que chamamos de perfil de velocidade. Neste ponto precisamos apresentar alguns outros conceitos sobre a camada limite e para isso vamos pegar o escoamento sobre uma placa plana. A imagem abaixo mostra que a camada limite se caracteriza por possuir duas regiões ou regimes bem distintos: uma delas é a região laminar e a outra é a região turbulenta. Entre estas duas regiões em que ocorre a transição do regime laminar para o turbulento.
A camada limite laminar possui um perfil de velocidade com gradiente de velocidade (du/dy) menor do que aquele encontrado na camada limite turbulenta e, consequentemente, um valor menor para o coeficiente de atrito (veja a definição acima do τw ) . O menor arrasto de fricção é um dos motivadores pela existência de pesquisas voltadas para o desenvolvimento de projetos laminares de asas e outros componentes aerodinâmicos. A imagem da direita mostra a diferença no perfil de velocidade do regime laminar em relação ao regime turbulento.
A transição do escoamento do regime laminar para o regime turbulento é um processo complexo e que está associado ao crescimento de instabilidades que surgem dentro da camada (Tollmien-Schlichting – TS, Cross-Flow – CF and Attachment Line – AL). Como estas instabilidades surgem dentro da camada limite é um assunto estudado pela área de mecânica dos fluidos chamada de receptividade. A área de estabilidade fluida dinâmica analisa o crescimento destas instabilidades. A figura da esquerda mostra as diferentes estruturas presentes no escoamento em um corpo de revolução. Pode-se notar uma região com a presença das instabilidades de TS, depois o surgimento de estruturas chamadas de lambda, a quebra destas estruturas dando origem aos primeiros ‘spots’ turbulentos. Posteriormente tem-se a transição do escoamento. A figura da direita mostra a forma destas estruturas.
A figura abaixo mostra a direção de propagação das três instabilidades acima citadas e que geralmente estão presentes quando temos o escoamento em uma asa com enflechamento.
Para as equipes que participam da competição do AeroDesign este assunto é de grande interesse devido ao potencial de se obter um menor arrasto de fricção para a aeronave. Isso é possível se a região com escoamento laminar se mantiver por uma grande porção da asa. No entanto, os requisitos de suavidade superficial em relação aos degraus, gaps e ondulação na superfície da asa são bastante demandantes. Pequenas imperfeições levam a transição do escoamento e os benefícios serão perdidos. Em resumo o tema transição é bastante complexo e precisamos ter uma ideia do conceito de uma maneira geral, pois ao executarmos os processos de otimização teremos que decidir se estamos focando em um projeto laminar ou convencional.
Bem, após a apresentação dos conceitos de transição precisamos definir o conceito de descolamento do escoamento. A imagem abaixo mostra o perfil de velocidade tomado em diferentes posições para um determinado corpo aerodinâmico. Trata-se de uma imagem ilustrativa para explicar o conceito de descolamento do escoamento. Vemos que no começo do corpo o perfil de velocidade é “cheio”, aqui o termo “cheio” significa que temos uma determinada quantidade de movimento do perfil de velocidade nesta posição inicial. À medida que observamos posições “mais a frente” vemos que o perfil de velocidade vai ficando menos “cheio” (perdendo quantidade de movimento), até a posição em que encontramos a inflexão no perfil de velocidade (ponto S). Deste ponto em diante o perfil de velocidade é reverso, o que caracteriza uma região com escoamento descolado.
A imagem abaixo mostra a visualização do escoamento para um dado perfil aerodinâmico. Podemos ver que para uma condição de maior ângulo de ataque o perfil apresenta um descolamento do escoamento na região do bordo de fuga do mesmo.
Uma forma de entender é através de uma analogia simples. Imagina que o ponto de estagnação é o ponto A da imagem abaixo e nele temos uma grande energia potencial. A partir deste ponto o escoamento começa a fluir e ganhar velocidade até o ponto de máximo t/c, que seria representado pelo ponto C que está definido também na imagem abaixo.
Do ponto C até o bordo de fuga do perfil, ponto F, seria a região onde temos a diminuição da velocidade e aumento da energia potencial que é dado pelo gradiente adverso de pressão. O que acontece é que à medida que aumentamos o ângulo de ataque o gradiente de pressão vai ficando muito adverso até um ponto que o escoamento não consegue chegar ao bordo de fuga e temos o surgimento de regiões com descolamento.
Se ajudar imagine que você deixou uma “bola de gude” desce a rampa a partir do ponto A, mas sem impor uma velocidade inicial. Se não houvesse perdas a bola de gude chegaria ao ponto F, princípio da conservação da energia mecânica. No entanto, devido ao atrito e outras forças de corpo que podem estar atuando na “bola de gude” a mesma não volta ao ponto F. Agora quando mais funda for esta bacia (curva em forma de “C” da figura abaixo) maior devem ser as perdas e, assim, provavelmente a “bola de gude” ficaria cada vez mais longe do ponto F. Esta é outra analogia para o descolamento do escoamento.
Vamos ver na prática a diferença nos coeficientes para duas simulações realizadas com o XFOIL para o NACA0012 e número de Mach de 0.10 e AoA = 10°. A da imagem a esquerda mostra o resultado obtido sem os termos viscosos, já a imagem da direita mostra os resultados quando os termos viscosos foram considerados na simulação (número de Reynolds = 3 milhões). Como você poderá observar temos diferenças no valor de Cl, e Cm. O valor de Cd para a simulação sem os termos viscosos indica uma força para frente ou tração. Isso ocorre porque temos uma sucção no bordo de ataque do perfil e a resultante do processo de integração da força distribuída acaba gerando uma resultante para frente.
Se você conseguiu instalar o pacote do ANACONDA na sua máquina, então, poderá usar este código fornecido abaixo para rodar o XFOIL e gerar os resultados automaticamente. Leia com atenção a descrição abaixo!
1. Crie uma variável de ambiente chamada de PATH e coloque nela o diretório onde você salvou o XFOIL na sua máquina. Outra opção consiste em colocar o Xfoil.exe no diretório onde você colocará também a cópia do código fornecido abaixo.
2. Copie o código run_XFOIL.py e o arquivo naca0012.inp para um diretório do seu micro. O primeiro arquivo consiste na implementação para rodar o código XFOIL em batch considerando uma ou várias análises. Este código também gerar um conjunto de figuras. Já segundo arquivo nada mais é do que a geometria do perfil NACA0012.
3. Copie o arquivo de setup para o mesmo diretório – setup.inp. Este arquivo contém o nome do perfil da geometria que será adotada, o ângulo inicial e final da simulação, o valor para o delta AoA, o número de Mach e o número de Reynolds. Lembrando que se o número de Reynolds for igual a zero o resultado obtido será da formulação potencial do XFOIL.
4. Abra o código run_XFOIL.py no Spyder e execute o mesmo. Os resultados obtidos para os coeficientes aerodinâmicos serão escritos no arquivo xfoil_output e imagens para cada AoA serão geradas no formato PDF e PNG.
Agora use este programa e escolha outros perfis e obtenha as polares de arrasto e a curva Cl x AoA. Faça este estudo aumentando gradualmente a espessura relativa do perfil. O que você pode observar? Caso seja do seu interesse use os perfis gerados com o programa Bézier para avaliar os coeficientes aerodinâmicos.
Este exemplo mostra como é possível automatizar a simulação numérica usando o XFOIL como solver principal. Em um processo de otimização é necessário acoplar o código de parametrização geométrica com o código que executa a simulação numérica/pós-processamento e depois com um algoritmo de otimização. Antes de entrarmos no algoritmo de otimização vamos falar um pouco sobre os componentes de arrasto.
O arrasto total de uma aeronave pode ser obtido através da soma de vários termos, sendo que, cada um destes termos está geralmente associado a algum fenômeno do escoamento. Muitas vezes esta decomposição do arrasto total da aeronave é chamada de ‘break-down’ de arrasto. Bem, a principal vantagem consiste em identificar quais são os termos que acarretam na maior contribuição para o arrasto e a natureza do termo. Devido a estas diferenças na origem dos termos, as ações para minimizar o arrasto são diferentes. A figura abaixo mostra como o arrasto pode ser decomposto.
Conforme vimos no primeiro artigo desta série, o arrasto é causado por duas forças que atuam no corpo: a força de pressão e a força de cisalhamento ou fricção. O arrasto de pressão é muito dependente da forma geométrica do corpo e devido a esta dependência também é chamado de arrasto de forma. Já o arrasto de fricção é praticamente proporcional a área molhada da aeronave e ao tipo de comportamento da camada limite, ou seja, se é laminar ou turbulenta.
Estes dois termos geram o arrasto que chamado de profile drag, a tradução fica estranha, então, será importante que você se acostume com este termo. O profile drag é computado para uma situação onde temos a sustentação é igual a zero. Nas ocasiões onde a sustentação é diferente de zero temos um termo adicional do profile drag e a soma destes dois termos é o que chamamos de arrasto parasita. Ou seja, ele sempre estará presente na sua aeronave.
O arrasto induzido se origina da sustentação gerada nos componentes aerodinâmicos da aeronave. Uma vez que a asa é o componente que mais gera sustentação será também aquele que mais contribui para o arrasto induzido. A figura abaixo mostra que a resultante da sustentação ao longo da semi-envergadura da asa e conforme ilustrado a componente do arrasto induzido está relacionada com a força de sustentação em cada estação da asa. A distribuição de sustentação elíptica é aquela que minimiza o valor do arrasto induzido da asa. O curso de aerodinâmica aplicada apresenta em detalhes a definição do arrasto induzido e as metodologias semi-empíricas que podem ser adotadas para o cálculo do mesmo. Por este motivo apenas o conceito geral será apresentado aqui.
O arrasto de onda está associado ao surgimento de ondas de choque no regime transônico e supersônico, mas também ocorre devido a efeitos de volume da aeronave.
A figura abaixo mostra como é feita a composição do arrasto total a partir destes componentes. Neste exemplo o arrasto parasita mínimo corresponde a 60% do arrasto total, sendo que, esta parcela tem 50% de arrasto de fricção, 7% de arrasto de pressão e 3% de arrastos de interferência, excrescências e rugosidade. Temos um adicional de 5% referente ao arrasto parasita devido a sustentação que não é zero. Depois mais 31% do arrasto induzido e 4% do arrasto de onda. A soma destes termos dá 100% para o CL selecionado para a análise.
Fazendo uma generalização apenas sob o olhar da aerodinâmica podemos fazer as seguintes associações:
Os comentários aqui são generalizações que fazemos em um primeiro momento, mas termos que avalizar direitinho os detalhes da geometria e das condições de voo. Cada uma destas diretrizes tem uma consequência no processo de projeto como será apresentado no curso.
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