Baixo
No último post entendemos um pouco mais sobre o HIRF e seus efeitos. Aqui falaremos sobre as descargas elétricas atmosféricas, mais conhecidas no meio aeronáutico pelo termo inglês Lightning, nosso popular “raio”. Não trataremos aqui dos ensaios sobre lightning, mas sobre suas perigosas características, quando incide sobre uma aeronave, e de algumas medidas de projeto que vêm sendo adotadas. Mas o assunto é muito mais vasto que o material aqui contido.
Quando o raio atinge uma aeronave, coloca a mesma em série com o circuito da corrente de descarga, porque entra numa ponta e sai por outra (asa para asa ou nariz para cauda, por exemplo). Se o raio percorresse a aeronave, entrando num ponto e saindo por outro, sem perturbar os sistemas no interior da aeronave, não teríamos de nos preocupar. Infelizmente, isso nem sempre acontece.
A carcaça e a estrutura metálicas da aeronave comportam-se como uma rede de resistores, o que provocaria voltagens ao longo da estrutura. Essas voltagens podem ser um mecanismo para a energia se propagar para o interior da aeronave, atingindo sistemas elétricos/eletrônicos, tanques de combustível, etc., se esses sistemas não estiverem devidamente protegidos.
O raio é na realidade uma poderosa corrente elétrica. Correntes produzem campos eletromagnéticos que podem induzir tensões em cabos e até mesmo diretamente em equipamentos elétricos e eletrônicos. Daí a mudar o estado de um circuito integrado é só um passo porque a energia necessária para mudar o estado desses dispositivos é baixa (A energia necessária para mudar o estado de um transistor discreto é da ordem de 10e-5J, enquanto que a energia para mudar o estado de um circuito integrado está entre 10e-10J e 10e-9J) e é cada vez menor, ao compasso dos avanços tecnológicos.
Existem alguns casos de acidentes catastróficos (com morte de pessoas a bordo) causados pela incidência de raios em aeronaves. Segue a relação dos casos mais notáveis:
1963 – Boeing 707 da Pan Nam, em voo de Baltimore para Philadelfia, caiu perto de Elkton (MD). Morreram 81 pessoas. Causa mais provável: ignição de combustível do tanque nº 1 produzida por raio, seguida de explosão.
1967 – Jato da Lockheed da Força Aérea Iraniana, que caiu após ser atingida por raio com ulterior explosão do tanque de combustível. Morreram 23 pessoas.
1971 – Aeronave da Lansa (Peru), com 91 pessoas, que precipitou-se após ser atingida por um raio que causou a separação da asa direita. Não houve sobreviventes.
1988 – Aeronave da Swearingen Metro, na Alemanha, perdeu uma asa, ao ser atingida por um raio. 21 pessoas morreram.
Na verdade, hoje há várias técnicas de projeto que reduzem bastante a possibilidade de acidente fatal. É notório que é preciso eliminar qualquer ponto de entrada (aberturas) com trajetória condutiva para o interior da aeronave, procurando assim manter a corrente no exterior, através da carcaça e estruturas condutivas da aeronave, de modo que o raio entre num ponto e saia por outro, sem desvios para o interior. Os cabos ligados a equipamentos sensíveis devem ser blindados e aterrados para evitar induções provenientes de transitórios produzidos pelo raio. São os chamados efeitos indiretos do raio. Todos esses cuidados, enfim, têm de ser exaustivamente testados (ensaios de lightning) para verificar sua eficiência diante de raios.
O radome, aquele cone no nariz da aeronave, é um ponto de preocupação porque ele contém o radar e outros instrumentos de voo. Contudo, para o radar funcionar, ele não pode ser envolvido por um material condutivo porque a antena não captaria a energia eletromagnética. A proteção se faz mediante a fixação de barras metálicas próximas entre si, na parte externa do radome. Essas tiras são dimensionadas e espaçadas cuidadosamente, segundo os resultados de testes de lightning. Essas barras funcionam como um para-raios. Elas conduzem a corrente do raio para a fuselagem condutora da aeronave e daí para o exterior, dando sequência à descarga.
Mas a despeito de todas essas técnicas, o melhor mesmo que se pode fazer é evitar voar perto das nuvens carregadas de eletricidade, os chamados cumulonimbus.
(1) SPITZER, Cary R. Digital Avionics Systems: Principles and Practices. 2. Ed. New York (EUA): McGraw-Hill, 1993, p. 277. (2) DUFF, William G. Fundamentos de Compatibilidade Eletromagnética. Vol. 1. Interference Control Technologies, Inc. Virgínia (EUA), 1988.
Aguardem o próximo post!
Berquó, Jolan Eduardo – Eng. Eletrônico (ITA)
Certificador de Produto Aeroespacial (CTA/IFI)
Representante Governamental da Garantia da Qualidade – RGQ (DCTA/IFI)