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Por que o avião voa?

Escrito por  Rodrigo Sorbilli
em 20 de abril de 2018

Você realmente sabe por que o avião voa?

Por que o avião voa? Difícil pensar em uma pergunta melhor do que esta para começar um blog sobre engenharia aeronáutica. A pergunta pode parecer simples para um primeiro tópico, mas como vocês irão ver neste post, é um assunto complicado. Neste post vamos deixar claro porque a explicação mais comum sobre a sustentação no perfil está errada.

A explicação típica da sustentação parte do princípio de que dois elementos de fluído que passam por cima (extradorso) e por baixo (intradorso) de um aerofólio (ou perfil) devem chegar ao mesmo tempo no bordo de fuga do perfil. Devido à maior curvatura do extradorso, o que acarreta em um maior trajeto, os elementos desta região possuem maior velocidade do que os elementos que passam no intradorso. A maior velocidade, associada a equação de Bernoulli justifica a menor pressão em cima e maior pressão embaixo.

Esta explicação já começa errada porque não há nenhum princípio físico que garanta que o fluido percorra o extra e intradorso ao mesmo tempo. Além disso, experimentos de visualização de escoamento comprovam que isto não acontece. Veja a figura do experimento com fumaça em túnel de vento comprovando que na verdade o fluído do extradorso chega primeiro ao bordo de fuga.

por que o avião voa

Outro ponto é que aerofólios que praticamente não possuem espessura, mas possuem curvatura igual no extradorso e intradorso, como uma vela de um barco ou uma asa delta de tela, são capazes de gerar sustentação. Isso também contradiz a explicação clássica da maior curvatura do extradorso ser a causa da maior velocidade. Precisamos de algumas informações adicionais para explicar a pergunta: por que o avião voa?

Primeiramente vamos contextualizar a força de sustentação no voo do avião. Para que o voo aconteça não basta simplesmente gerar uma força que seja maior ou igual ao peso, também é necessário vencer a força de arrasto. Desta maneira podemos resumir em quatro as forças que atuam em um avião.

– Sustentação que se opõe ao peso.
– Tração que se opõe ao arrasto.

Todas estas forças variam ao longo do voo de um avião. O peso, para aeronaves que utilizam combustível líquido, diminui ao longo do voo devido ao consumo do motor. Como a variação do peso acontece de forma lenta, é aceitável considerar que o peso é constante para pequenos períodos de tempo.

Vamos falar então das outras forças. O arrasto, a sustentação e a tração variam ao longo do voo da aeronave para que esta possa executar manobras. Por exemplo, uma força de sustentação maior que o peso implicará em aceleração para cima, o que usualmente moverá o avião nesta direção. O mesmo pode ser pensando quanto ao equilíbrio da tração e do arrasto. Para esta análise primeiramente é interessante pensar que o avião está em voo equilibrado.

– Sustentação = Peso
– Tração = Arrasto

Por que o avião voa

O arrasto será tratado em tópicos dedicados deste blog e, neste post, vamos tratar da sustentação. Neste caso, vamos refazer a pergunta por que o avião voa:

Por Que O Avião Gera Sustentação?

Acredito que seja claro para todos que a maior contribuinte para a sustentação de um avião é asa, mas vamos tentar simplificar um pouco mais. A seção transversal de uma asa é conhecida como perfil aerodinâmico, ou simplesmente perfil, ou mesmo aerofólio. Vamos focar em entender, primeiramente, como a força de sustentação é gerada no perfil e, em outro post, abordaremos as diferenças entre o escoamento de um perfil e de uma asa.

Tratando do perfil, a figura abaixo apresenta o comportamento básico das linhas de corrente. Linhas de corrente representam o trajeto percorrido por certo elemento, sendo este formado por boa quantidade de partículas. Assim, elementos que começam em uma determinada linha de corrente do lado esquerdo passam exatamente em cima desta linha até chegarem ao final do perfil.

por que o avião voa

A visualização de como o ar passa em um perfil foi extremamente importante no desenvolvimento da aerodinâmica. Diversas técnicas foram utilizadas, como fumaça em visualização de escoamento no ar e limalha de aço em escoamentos de água. Hoje em dia também é usual utilizar técnicas de visualização para entendimento de escoamentos mais complexos. Abordaremos este tópico no post sobre túneis de vento.

Voltemos à figura acima. Neste primeiro momento peço a você que aceite que o ar passa sobre o perfil desta maneira, sendo forçado pelo perfil a seguir a sua forma. Uma porção do ar passa pelo extradorso e outra porção pelo intradorso, dividindo o escoamento em dois e deixando o bordo de fuga do perfil de maneira suave e contínua. A condição de Kutta, que é uma condição matemática imposta no bordo de fuga para solução de escoamentos potenciais, pode ter sua interpretação física que a ajuda a entender porque isso acontece. A condição de Kutta será abordada em um próximo post deste blog.

Avaliando a porção do escoamento que passa no extradorso fica claro que as linhas de corrente tendem a ficar mais próximas, o que está relacionado ao aumento da velocidade. À medida que se afastam do perfil na direção para cima, o espaçamento vai aumentando e as linhas de corrente ficam cada vez mais retas. Em um determinado local bem afastado, as linhas de corrente estarão completamente retas, não sendo perturbadas pelo perfil.

No intradorso ocorre o oposto. As linhas de corrente tendem a ficar mais distantes, o que está relacionado com redução de velocidade, mas também apresentam a tendência de ficarem retas quanto mais longe do perfil.

O ar é um fluído contínuo e esta continuidade faz com que ele acompanhe a forma do corpo até um certo limite de curvatura. O momento em que o ar deixa de acompanhar a forma do corpo é conhecido como descolamento, que está associado a efeitos viscosos que acontecem de maneira mais intensa próxima à superfície do corpo. Esta região é conhecida como camada limite.

A camada limite e a viscosidade são elementos fundamentais na aerodinâmica, mas para certos casos é possível que sejam desconsideradas. Nesta explicação também partiremos do princípio que não há viscosidade, ou seja, o fluído sempre acompanhará o corpo sem perda de velocidade na superfície. A qualquer momento que você se sentir perdido, lembre-se que estamos buscando responder uma questão importante, por que o avião voa?

Para fundamentar a explicação vamos precisar de alguns conceitos da física básica e também da mecânica de fluídos. Mas não se assuste, não há nada de muito complicado por vir. Os princípios que abordaremos serão básicos, mas fundamentais para o real entendimento de onde vem a sustentação. Vamos começar com uma breve explicação da equação de Bernoulli.

A equação de Bernoulli é provavelmente a equação mais famosa da fluidodinâmica. Ela é deduzida a partir da Segunda Lei de Newton, sendo válida para o escoamento não viscoso e incompressível. Apesar destas simplificações, a validade da teoria para o entendimento básico da sustentação é irrefutável.

A equação afirma que para uma dada linha de corrente têm-se:

equacao-de-bernoulli

Onde:

calculo-2-1

O entendimento físico desta equação, que vale para elementos em uma mesma linha de corrente, é o seguinte

– Caso a velocidade aumente, a pressão deve cair.
– Caso a velocidade diminua, a pressão deve aumentar.

Uma visualização simples e usual da equação de Bernoulli é o tubo de venturi. Na figura abaixo é mostrado o tubo de venturi. Veja como as linhas de corrente se aproximam na restrição que existe no meio do tubo, indicando o aumento de velocidade. O entendimento da conservação da massa é suficiente para entender que, no meio do tubo, aonde a seção transversal é menor, o ar deve passar mais rápido. Pela equação de Bernoulli, sabe-se que no meio do tubo a pressão deve ser mais baixa que no início ou no fim do tubo.

por que o avião voa

Com os princípios básicos da equação de Bernoulli entendidos, podemos passar para as forças que atuam no fluído que passa pelo perfil. Vamos começar observando em detalhes um elemento que está passando pela curvatura no extradorso. O elemento acompanha a curvatura do perfil. Pela primeira Lei de Newton este corpo deveria continuar em linha reta, a não ser que uma força seja exercida sobre este, a conhecida força centrípeta, modifique sua direção.

A força centrípeta aponta para o centro da curvatura de maneira a contrapor a inércia do corpo de seguir em linha reta. A “pseudoforça” que atua para fora no corpo é conhecida como força centrífuga, uma força aparente associada a inércia. Veja que na verdade esta força não existe, mas ajuda no entendimento do que está acontecendo.

por que o avião voa

Tratando-se de um fluído e de pequenos deslocamentos, é possível desprezar a atuação da força de gravidade, e desta maneira a única força que pode estar atuando no fluído são forças de pressão. Neste caso, há uma força de pressão para baixo, o que indica que a pressão abaixo do elemento tem que ser menor que a pressão acima deste. Este mesmo raciocínio vale para qualquer linha de corrente, e quanto mais afastada do corpo menor a curvatura e maior a pressão do ar.

Pela relação da equação de Bernoulli, a menor pressão está associada a uma maior velocidade. Neste caso, de maneira similar a terceira Lei de Newton, a menor pressão e maior velocidade acontecem de maneira simultânea. Não há necessidade de tentar explicar que a maior velocidade resulta em menor pressão, ou que a menor pressão causa a maior velocidade. Tratam-se do mesmo efeito.

Mas de onde veio a aceleração que fez aumentar a velocidade do ar? Foi originada exatamente na curvatura do perfil, que quando seguida pelo ar ocasiona esta redução de pressão e aumento de velocidade de forma a gerar a força centrípeta necessária para que o ar possa fazer a curva.

Isto quer dizer que de uma maneira geral em curvaturas convexas o ar acelerará, e o oposto é válido para curvaturas côncavas. No intradorso do perfil acontece um efeito similar. Mesmo que o intradorso não seja côncavo, caso este possua uma curvatura menor que o extradorso a aceleração e velocidade serão menores, o que resulta em uma pressão maior do que no extradorso.

por que o avião voa

A diferença de pressão entre o intradorso e o extradorso é o que gera a sustentação. Um exemplo fácil de entender por esta explicação, mas que não pode ser compreendido pela explicação clássica, é o de um perfil sem espessura, porém com curvatura.

por que o avião voa

No caso deste perfil temos um extradorso convexo e um intradorso côncavo. Já entendemos muito bem a força centrípeta necessária para que o ar faça a curvatura no extradorso, e no intradorso será exatamente o oposto. Para que o ar acompanhe a curvatura côncava do intradorso deve existir uma força centrípeta na direção oposta da superfície do corpo, apontando para o centro da curvatura. Neste caso, como a força está na direção oposta da superfície, é necessário que a pressão na superfície seja maior do que em pontos mais distantes dela.

Você pode estar pensando então que um perfil sem espessura alguma é muito bom para gerar sustentação, já que a diferença de pressão entre o intra e extradorso será ainda maior né? Já que a curvatura do intradorso será mais côncava do que se houvesse espessura. E você está completamente certo. A grande questão é que um perfil sem espessura, ou com pouquíssima espessura é muito difícil de fabricar. Além disso, considerando aspectos multidisciplinares como espaço para a estrutura da asa e tanque de combustível se torna impraticável.

Um outro ponto é como um aeromodelo da figura abaixo pode gerar sustentação? Não há curvatura alguma em suas asas!

por que o avião voa

A questão pode ser respondida pela mesma explicação que já fizemos. Mesmo sem curvatura, mas colocando um ângulo em relação ao ar, o conhecido ângulo de ataque, o fluído é forçado a fazer curva. Deve se curvar no extradorso e intradorso de forma a acompanhar a placa plana da asa. Esta curvatura que o ar faz segue os mesmos princípios de diminuir a pressão em cima e aumentar em baixo, e gerando sustentação.

Se você conseguiu acompanhar até aqui e entendeu tudo, já pode contestar a próxima vez que ouvir a explicação de partículas que chegam ao bordo de fuga juntas e maior velocidade devido ao maior trajeto. Pergunte simplesmente a quem deu a explicação: “E como fica se não houver espessura e as curvaturas em cima e embaixo foram iguais? Não há sustentação, então? E para a placa plana?”.

Um Entendimento Matemático

O objetivo deste post é passar o entendimento físico da aerodinâmica, sempre que possível fugindo da matemática que pode, às vezes, complicar o entendimento. Mas em certas situações e para certas pessoas as equações matemáticas são fundamentais para dar credibilidade à explicação e ao entendimento. Assim, se você já se deu por satisfeito com a parte anterior do post fique a vontade para pular esta parte. Vamos então à parte matemática da pergunta: por que o avião voa?

Vamos partir das equações de Euler que são adequadas para fluidos não viscosos e adiabáticos. Elas podem ser obtidas a partir da famosa equação de Navier-Stokes desprezando-se a viscosidade e condução térmica. Isto quer dizer que uma parte da física real do fluído foi deixada de lado, mas ainda assim elas possuem boa parte da física do escoamento. Elas expressam a relação entre a velocidade e pressão em escoamentos não viscosos.

A equação da quantidade de movimento de Euler é dada por:

por que o avião voa

Considerando o escoamento estacionário e expandindo a equação chega-se a:

por que o avião voa

Re-escrevendo as equações para as coordenadas de linha de corrente, e considerando a componente na direção perpendicular a linha de corrente, finalmente obtém-se:

equacao-euler-linha-corrente

Onde:

calculo-2

A interpretação física da equação é simples. Do lado esquerdo temos o termo de velocidade ao quadrado pelo raio de curvatura, que é exatamente a aceleração centrípeta. Do lado direito, temos o inverso da densidade e em seguida a variação da pressão na direção perpendicular da linha de corrente. Esta é a variação de pressão que foi explicada na parte anterior do post. A relação deixa claro como a pressão na superfície é função direta do raio de curvatura. Bom, agora você já pode falar que sabe exatamente por que o avião voa.

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